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Desa os Tributários
Desse modo faz-se necessária vigilância e orientação por Realizada essa explicação prévia, podemos ir ao cerne da
parte do governo para a regulamentação infraconstitu- questão. Conforme entendimento do Supremo Tribunal
cional da matéria, principalmente no que tange à ela- Federal (Tema 342), a imunidade subjetiva somente se
boração da lei complementar que abordará os regimes materializa para os contribuintes de direito e não para os
aduaneiros especiais conforme o art. 156-A, § 5º, X, do contribuintes de fato. ual a consequência desse enten-
substitutivo à PEC 45/2019. dimento para o comércio exterior? Nas compras públicas
realizadas por entes federativos, que podem envolver li-
Por outro lado, sabe-se que a reforma tributária será im- citações voltadas para áreas como saúde, educação, trans-
plementada gradualmente, e a fase de transição ainda porte, segurança, entre outros, é mais vantajoso do ponto
será marcada por um resíduo tributário relevante. Em de vista tributário importar do que adquirir de fornece-
função disso, os regimes que visam remediar os efeitos dores nacionais. No primeiro caso, não há exigibilidade
negativos da impossibilidade de recuperação de créditos do tributo, pois o contribuinte de direito é imune. No
ainda terão uma justi cativa para se manterem. Sob a segundo caso, o contrário ocorre, pois o contribuinte de
perspectiva da competitividade de nossos exportadores, direito será uma entidade de direito privado, incidindo
um olhar especial deve ser dedicado ao Regime Especial sobre ele, portanto, a carga scal. O fornecedor nacional
de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas ca obrigado a incorporar o custo tributário ao preço -
Exportadoras (Reintegra). Sua revitalização revela-se es- nal dos bens e serviços providos. A mesma lógica se apli-
sencial para que as cadeias produtivas nacionais possam ca às entidades lantrópicas com consequências adversas
já se posicionar no mercado internacional. A manuten- para a indústria nacional, tendo em vista a forte atuação
ção desse regime durante toda a transformação do siste- desse setor no segmento de hospitais bene centes.
ma torna-se premente para os objetivos de reindustriali-
zação do país e a retomada da competitividade. Ao se examinar o texto da reforma tributária aprovado
na Câmara dos Deputados, não parece haver um dis-
positivo que enfrente explicitamente essa distorção no
Imunidade subjetiva que tange às entidades lantrópicas. Contudo, em re-
Outro aspecto ligado à tributação sobre o consumo lação aos entes estatais, percebe-se que a introdução do
é que existe uma distorção no que tange à imunidade art. 156-A, § 5º, V, “c”, item 2, encaminha uma solução
subjetiva de entes estatais e entidades lantrópicas. Para cuja implementação dependerá de lei complementar. O
dispositivo prevê que, conforme regulamentação poste-
contextualizar o problema, é necessário distinguir duas rior, o produto da tributação sobre “operações contrata-
guras estudadas pelo direito tributário: o contribuinte das pela administração pública direta, por autarquias e
de fato e o contribuinte de direito. Essa distinção ocor- por fundações públicas” reverterá integralmente para o
re nos tributos indiretos, quando a pessoa que suporta ente contratante. Nesse caso, a receita tributária não será
o ônus econômico do pagamento não é exatamente a compartilhada com as demais unidades federadas onde
mesma que se torna obrigada a realizar o recolhimento à se situa a cadeia produtiva correspondente. Essa estra-
Fazenda Pública. Trata-se exatamente do caso dos tribu- tégia equivaleria a uma espécie de creditamento, o que
tos incidentes sobre produção e consumo a que fazemos permitiria ao ente público considerar o respectivo valor
referência neste artigo. em suas próprias regras licitatórias, anulando a vanta-
gem de preço que o produto ou serviço importado teria.
Embora esse seja o raciocínio geral nos tributos indire-
tos, o descolamento entre contribuinte de fato e contri- Retornando à questão das entidades lantrópicas, a falta de
buinte de direito apenas se torna claro nas transações um tratamento especí co não pode levar imediatamente
realizadas internamente no país. Nas compras junto a à conclusão de que não haveria solução na nova mecânica
fornecedores estabelecidos no território brasileiro, os constitucional. Poder-se-ia contemplar uma saída caso o
impostos e contribuições incidentes nessa operação co- contratante possa creditar-se pelos tributos pagos nas com-
mercial têm como contribuinte de direito o produtor pras nacionais e considerar o respectivo ressarcimento no
nacional. Nessa hipótese, o adquirente caracteriza-se seu cálculo para a decisão de contratação. Em relação às en-
como contribuinte de fato, pois suporta o ônus sem tidades lantrópicas, regidas pelo direito privado, não nos
se responsabilizar pelo pagamento ao Fisco. Por outro parece que haveria di culdade para a implementação dessa
lado, se a hipótese é de importação, o fornecedor estran- solução. Na falta de maior detalhamento no substitutivo da
geiro não está ao alcance da jurisdição scal brasileira. PEC 45/2019, caberia um acompanhamento do desenro-
Em razão disso, a legislação prevê que o importador as- lar da questão, inclusive com a proposição de normas infra-
suma o duplo papel de contribuinte de fato e de direito. constitucionais que se façam necessárias.
44 Nº 156 - Julho, Agosto e Setembro de 2023