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RBCE - A revista da



          ção concorrencial entre os produtos em questão é de-  impondo as mesmas restrições aos produtos produzidos
          terminada por uma série de fatores. Dentre eles: (i) as  nacionalmente e aos importados.
          propriedades físicas dos produtos; (ii) até que ponto os
          produtos são capazes de servir às mesmas utilizações  -  Nesse sentido, merece destaque a análise do Órgão de
          nais ou  ns semelhantes; (iii) até que ponto os consumi-  Apelação da OMC no caso US-Shrimp (DS58), que en-
          dores percebem e tratam os produtos como meios alter-  fatiza a importância de se interpretar o conceito de con-
          nativos para realizar determinados objetivos; e (iv) se os   servação dos recursos naturais de forma evolutiva, à luz
          produtos possuem a mesma classi cação internacional  das preocupações contemporâneas da comunidade das
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          tarifária. 13  Nesse sentido, os gostos e hábitos dos con-  nações e dos instrumentos internacionais relevantes.
          sumidores são um requisito especialmente particular ao   No entanto, a adequação de tal interpretação ao contex-
          se discutir a sustentabilidade de um produto, pois, em  to do novo regulamento europeu, no qual já existem vá-
          linha com Durán e Scott (2022), um produto ambien-  rios instrumentos multilaterais de proteção e restauração
          talmente sustentável poderia ser tratado como similar a   das  orestas e um maior combate e preocupação contra
          um produto ambientalmente insustentável para  ns de   o  desmatamento  e  a  degradação   orestal,  não  signi ca
          direito da OMC, caso haja consumidores em um deter-  que  esta  norma  pode  ser  aplicada  travestida  de  medida
          minado mercado que os considerem substituíveis entre   comercial mais restritiva do que o necessário para atingir
          si,  mas, ao mesmo tempo, haja uma medida discrimi-  a  nalidade proposta. Ademais, uma preocupação trans-
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          natória que bene cie um produto doméstico ambiental-  nacional  dessa  natureza  não  legitima  um  ente  soberano
          mente sustentável em relação a tal produto estrangeiro   a impor medidas extraterritoriais de controle (já que, no
          similar. Nesse sentido, as mesmas autoras dispõem que,   caso  do  regulamento,  estar-se-ia  impondo  uma  conduta
          de forma geral, a interpretação de similaridade aumenta   sobre processos produtivos fora da UE), o que pode de-
          as chances de se encontrar uma violação de princípios de   sencadear  um  ciclo  contínuo  de  retaliações  de  um  país
          comércio internacional por medidas que regulam pro-  contra o outro, sob a alegação de proteção ambiental.
          cessos produtivos ambientais, pois é bastante imprová-
          vel que todos ou a maioria dos consumidores em um de-
          terminado mercado não estejam dispostos a substituir  REGULAMENTO EUROPEU SOBRE
          os produtos (ou considerá-los como não similares, nos   PRODUTOS LIVRES DE DESMATA
          termos do direito da OMC) apenas em razão do desma-  MENTO E NÃO DISCRIMINAÇÃO
          tamento incorporado ou outro impacto ambiental.

          No entanto, a segunda questão fundamental é quan-   O presente artigo não pretende esgotar as possíveis vio-
          do uma medida de sustentabilidade pode ser aplicada,  lações ocasionadas pela medida, mas levantar os ques-
          sem que ela suscite violação ao TN e NMF. Tal medi-  tionamentos mais evidentes relativos ao possível caráter
          da pode ser lastreada a título de exceção, nos termos  discriminatório do regulamento, que podem se voltar
          do art. XX do GATT/1994. De acordo com o caput      ao tratamento diferenciado em relação às commodities
          do art. XX, uma medida poderá assumir esse caráter se   escolhidas e à classi cação de risco dos países.
          não constituir discriminação arbitrária ou injusti cável
          entre países onde prevalecem as mesmas condições, ou
          uma restrição velada ao comércio internacional. Nesse  “
          contexto, as alíneas (b) e (g) são as que mais se enqua-  Uma preocupação transnacional dessa
          dram na natureza da medida. A alínea (b) dispõe que          natureza não legitima um ente
          a medida deverá ser necessária para proteger a vida ou
          a saúde humana, animal ou vegetal, ao passo que a (g)          soberano a impor medidas
          aduz que a medida deve ser voltada à conservação de re-    extraterritoriais de controle, já que,
          cursos naturais esgotáveis  e são efetivados em conjunto   no caso do regulamento, estar-se-ia

          com restrições à produção e ao consumo interno. Com
          relação a este último requisito da alínea (g), um regula-     impondo uma conduta sobre
          mento deve atender a esse requisito de imparcialidade,      processos produtivos fora da UE


                                        ............................................................................
          13  WTO (2000).                                                                                   ”
          14  DURÁN; SCOTT, (2022).
          15  WTO (1998).


          Nº  156 - Julho, Agosto e Setembro de 2023                                                         49
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