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RBCE - A revista da

Para não perder a credibilidade, o governo poderia envi-     titutivo de importações do século passado. Uma tarefa
dar esforços para cumprir com a meta fiscal. Contudo,        importante é, pois, ordenar o comércio exterior e eli-
isso tornaria menos provável que as forças recessivas se     minar definitivamente as restrições quantitativas. Isso é
enfraquecessem. A política fiscal seria então mais pró-      necessário para aumentar a eficiência do investimento,
cíclica. Seria mais difícil gerar empregos e a economia      permitir a integração do país a cadeias de valor e me-
enfrentaria uma restrição política, pois a pobreza pode-     lhorar o salário real. Porém, no curto prazo, essa medi-
ria não se reduzir e até mesmo aumentar, em virtude de       da poderia incrementar pontualmente o desemprego
uma demanda de emprego mais fraca.                           em setores protegidos e entrar em rota de colisão com
Evidentemente, se a maior credibilidade levasse a uma        restrições políticas, devido, sobretudo, à ação de grupos
“chuva de investimentos e dólares”, este dilema tenderia     de interesse. Os efeitos sobre a pobreza e o salário real
a se diluir, pois o investimento cria empregos e gera valor  deveriam ser muito positivos, pois os preços de vários
agregado, estimulando o consumo e a arrecadação fiscal.      produtos de consumo de massa cairiam. A eliminação
Com a chuva de dólares, o financiamento do setor públi-      da proteção à atividade petrolífera teria o mesmo efeito
co não seria um problema; seria problema, isso sim, man-     extremamente positivo.
ter a competitividade por conta do impacto da entrada de
dólares sobre a taxa de câmbio. Mas esse efeito poderia ser  (iv) Como corrigir preços relativos sem acelerar a
moderado, entretanto, se as importações aumentassem;         inflação e aumentar a pobreza?
algo provável se o investimento estiver crescendo.           Como já foi dito, o coeficiente de pass-through é mais
                                                             alto na economia argentina, comparativamente na de
(ii) Política monetária contracionista (por inflação)        outros países. Isso fez com que a inflação se acelerasse
ou expansiva (por atividade)?                                após a desvalorização. A correção das tarifas teve o mes-
Até o presente, o governo combinou uma política fiscal       mo efeito. As tarifas deverão continuar sendo corrigidas
relativamente expansiva com uma política monetária res-      e, provavelmente, o mesmo ocorrerá com a taxa de câm-
tritiva. Isso não é o mais recomendável, pois desloca o se-  bio, visto que o câmbio real perdeu recentemente uma
tor privado – pela falta de liquidez e pelas taxas de juros  parte importante do que havia ganhado no começo do
altas –, para abrir espaço ao gasto público, sem acelerar a  ano. Isso coloca o governo diante de um dilema entre a
inflação. O efeito líquido pode ou não ser restritivo. No    inflação e a correção de preços relativos: caso o governo
primeiro semestre, o efeito foi restritivo e, consequente-   decida reduzir os subsídios ou melhorar a competitivi-
mente, a dureza da política monetária contribuiu para        dade, a inflação poderá se acelerar, com repercussões so-
que a inflação não disparasse ainda mais. As consequên-      bre a pobreza. De outro lado, caso opte por deixar que a
cias se fizeram sentir também sobre a taxa de câmbio, que    taxa de câmbio real se atrase e que o mesmo ocorra com
se manteve estável, quase imóvel, registrando poucas va-     as tarifas, a competitividade e o equilíbrio fiscal se res-
riações. Os juros elevados contribuíram para tal estabili-   sentirão. A adoção de um esquema de metas de inflação
dade, pois aumentaram a rentabilidade dos instrumentos       não faz o dilema desaparecer. Além do mais, uma polí-
domésticos que competem com o dólar na carteira dos          tica fiscal branda obrigaria o Banco Central a aumentar
investidores. O dólar estável também contribuiu para que     as taxas de juros, com efeitos recessivos pelas razões já
a inflação não continuasse se acelerando.                    expostas acima.
O governo enfrentará, então, o dilema de manter a du-        Por último, há que se acrescentar a esse panorama com-
reza da política monetária, com inflação mais baixa e        plexo os tempos eleitorais: em pouco mais de um ano
perda de competitividade – por conta do dólar imóvel         acontecerão eleições legislativas, o que certamente in-
–, ou de reduzir as taxas de juros com efeitos benéficos     fluirá na agenda econômica, podendo retardar o ajuste
sobre a atividade econômica e o setor privado, mas com       requerido.
consequências negativas para a inflação.                     Será preciso aguardar para ver o que acontecerá.

(iii) Quanta abertura no eterno dilema eficiência                                 35
vs. mais desemprego no curto prazo?
O governo anterior elevou os índices de proteção da
indústria a níveis muito altos, típicos do modelo subs-

Nº 128 - Julho/Agosto/Setembro de 2016
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