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Tratados de Investimentos

e a formação da mão de obra local. Os acordos assina-          a proposta brasileira poderia oferecer alternativas mais
dos com a Colômbia e o Chile avançam nestas questões,          eficientes que aquelas apresentadas pelo modelo estadu-
eximindo do entendimento investimentos realizados              nidense e europeu para a promoção de IED, mitigação
com capitais de origem ilícita e proibindo a redução dos       de riscos e prevenção de disputas.
padrões trabalhistas, ambientais e de saúde como forma         Os ACFIs fortalecem a política interestatal no marco
de promoção de investimentos. Ainda que estas dispo-           dos IED. O Brasil afirma que os acordos de investimen-
sições não sejam diretamente passíveis de arbitragem,          tos devem ser norteados por um diálogo intergoverna-
o devido cumprimento das legislações nacionais sobre           mental constante, base para a promoção e mitigação de
estes temas é uma obrigação,7 monitorada pelo Comitê           riscos dos investimentos, e pelo respeito às legislações
Conjunto, fortalecendo o espírito do discurso diplomá-         nacionais. O ponto central do modelo brasileiro não
tico brasileiro, que alega promover o desenvolvimento          reside na arbitragem, como usual nos TBIs, mas na sua
compartilhado sem ambições neoimperialistas.                   governança institucional, ponto geralmente ausente nos
Diferentemente dos tradicionais TBIs Norte-Sul, os             tradicionais TBIs.
acordos brasileiros incluem agendas temáticas de coo-          O Comitê Conjunto e os Pontos Focais (foreign invest-
peração e facilitação de investimentos que buscam su-          ment ombudsperson) são as instituições centrais da go-
perar limitações estruturais comuns às economias em            vernança dos acordos. O Comitê está encarregado de
desenvolvimento que implicam custos significativos             monitorar periodicamente a execução do acordo, pro-
para as atividades empresariais, como frequências aéreas,      mover e divulgar oportunidades recíprocas de investi-
transferências de divisas, concessões de visas, certificações  mento, resolver conflitos e prevenir disputas. Trata-se
técnicas e ambientais (Morosini e Badin, 2016, p. 11). Es-     de uma espécie de conselho de administração do acordo
tas iniciativas visam fortalecer a capacidade institucional    que, diferentemente do arcabouço previsto nos acordos
dos países destinatários dos investimentos, incentivando       de livre comércio dos EUA ou do Canadá, onde a atua-
a transferência de tecnologias entre as partes e um maior      ção das Comissões Conjuntas se restringe às funções
alinhamento da cooperação técnica com os interesses do         de secretariado, está incumbido de desempenhar papel
setor privado.8 Além de possibilitar externalidades po-        proativo decisivo para processo de execução do acordo
sitivas nos países receptores, estas agendas podem gerar       (Monebhurrun, 2016, p. 6).
novos negócios e elevar a competitividade das atividades       Mediante convocatória formal ou aprovação de solicita-
desenvolvidas pelas empresas brasileiras, favorecendo-as       ção cursada ao governo, abre-se a possibilidade da parti-
na disputa por recursos e investimentos no exterior.           cipação do setor privado e da sociedade civil nas discus-
De fato, a forma como o Brasil encara sua política de          sões do Comitê, inclusive em negociações diretas para
IED é bastante diferente da narrativa usual do regime          a prevenção de conflitos (Monebhurrun, 2016, p. 7-9).
internacional de investimento, o qual descreve os TBIs         A possibilidade da presença da sociedade civil na gover-
como um mecanismo de promoção do império da lei e              nança permitiria uma maior democratização e transpa-
de respeito aos direitos de propriedade nos países em          rência do processo de construção das normas do regime.
desenvolvimento. Em contraste, a agenda brasileira se          Ao mesmo tempo, implicaria o desafio de promover um
centra na consolidação das relações econômicas com             permanente diálogo sobre como construir uma adequa-
seus sócios e no estabelecimento de mecanismos políti-         da proteção aos investidores que não busque minimizar
cos de promoção dos fluxos recíprocos de IED. A aná-           seus riscos à custa do interesse público. A ausência de
lise dos tratados confirma que, enquanto a proteção do         referências à expropriação indireta nos entendimentos
IED constitui um ponto central nos tradicionais TBI,

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7 Em setembro de 2015, o juiz Carlos Alberto Frigieri, da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), atendendo a ação movida pelo Ministério Público
do Trabalho (MPT), emitiu sentença condenando o Grupo Odebrecht ao pagamento de R$ 50 milhões de indenização por danos morais coletivos por
trabalho escravo, aliciamento e tráfico internacional de pessoas em obras de construção de uma usina de cana-de-açúcar em Angola, na África. Trata-se da
maior condenação por trabalho escravo do MPT.
8A falta de mão de obra qualificada, deficiências de transporte e infraestrutura e risco regulatório em licitações e concessões são os principais obstáculos
apontados pelas empresas brasileiras para a expansão de seus investimentos na África (Iglesias e Costa, 2011, p. 36-42). No caso da América do Sul, os
principais obstáculos encontrados pelas empresas brasileiras referem-se a regulação de preços e legislação tributária e trabalhista (CNI, 2015, p. 61).

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