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Macroeconomia Argentina
de destacar os déficits gêmeos que foram herdados – o Segundo, na Argentina, a desvalorização sempre acele-
fiscal e o de conta-corrente –, procurou-se criar uma rou a inflação. O pass-through é mais alto que em ou-
expectativa positiva em relação à evolução futura da in- tros países, como mostra a evidência empírica colhida
flação e da atividade econômica. Considerou-se que es- em diversos estudos. Adicionalmente ao repasse da
ses dois indicadores eram mais palpáveis e importantes desvalorização aos preços, caberia agregar o aumen-
para “as pessoas” do que outros, mais abstratos, como o to das tarifas, que afetaria os custos tanto dos bens
déficit fiscal ou o montante das reservas. Assim, ante- comercializáveis quanto os dos não comercializáveis.
cipou-se que a inflação estaria entre 20% e 25% até o Destaque-se, ainda, que as novas autoridades não se
final do ano e que a atividade econômica começaria a propunham a implementar uma política agressiva de
ser retomada no segundo semestre do ano. Os detalhes abertura da economia. Portanto, os setores protegidos
de como isso seria alcançado – isto é, como cessariam os herdados do governo dos Kirchner não teriam nenhum
desequilíbrios básicos que geravam a inflação e a reces- problema em repassar os aumentos de seus custos para
são – foram deixados para os técnicos. Optou-se, ade- os preços, promovendo altas além dos limites impostos
mais, por não anunciar um programa de estabilização, pela evolução da demanda.
como tradicionalmente se faz quando os desequilíbrios Se isso realmente viesse a acontecer, seria lícito esperar
são pronunciados. Tampouco colocou-se todo o peso que o impacto sobre os salários reais seria muito forte,
das decisões em um único ministro. Macri afirmou ex- o que jogaria claramente contra o consumo e contra a
plicitamente que não desejava ter um superministro da recuperação econômica esperada para o segundo semes-
Fazenda e preferiu atribuir as decisões a uma equipe. tre. O salário real diminuiria mais do que o necessário
Além disso, para imunizar-se da acusação de “governo para recompor a competitividade, pois os trabalhadores
que faz ajustes”, anunciou que a estratégia de correção comprariam a preços mais elevados não somente os bens
do desequilíbrio fiscal seria gradualista. Só cabia esperar comercializáveis, mas também os bens protegidos e não
um choque quanto ao controle (cepo) cambial e à mu- competitivos. Há que se considerar, contudo, que uma
dança da política externa. queda do consumo ajudaria a reduzir a inflação.
A estratégia foi, sem dúvida, inovadora, e também oti- Terceiro, se a inflação se acelerasse e o Banco Central
mista, considerando as experiências de ajuste do setor não fizesse nada, o aumento de preços teria o efeito que
externo e das contas públicas na Argentina desde o iní- sempre se observou: reduziria a oferta monetária de
cio da segunda globalização, no final dos anos 1970. forma que, depois de um pico, a inflação baixaria devi-
Vale a pena conferir o que devia ser, desta vez, muito do à contração monetária, naturalmente induzida por
diferente para que a estratégia funcionasse. um período de forte aumento do imposto inflacioná-
Primeiro, quando existem desequilíbrios simultâneos, rio. Nesse cenário, o governo, evidentemente, cobraria
fiscais e externos, é muito difícil evitar que o ajuste fis- quantidades enormes de tal imposto. Entretanto, todo
cal não seja pró-cíclico, isto é, impedir que as correções esse processo levaria um tempo. Em consequência, se
não gerem forças recessivas. E é assim porque se fossem o Banco Central desejasse baixar a inflação para 25%,
aplicadas políticas fiscais anticíclicas, o déficit público como anunciado pelo governo, deveria intervir imedia-
não poderia ser reduzido. Em consequência, para se tamente no mercado, absorvendo base monetária para
obter uma expressiva recuperação no segundo semestre reforçar o efeito de contração monetária durante o pe-
como a prometida pelo ministro da Fazenda Alfonso ríodo de recomposição da taxa de câmbio e das tarifas.
Prat-Gay, todo o trabalho anticíclico para tirar a econo- O custo a pagar, obviamente, seria o aprofundamento
mia da recessão teria de ser feito pelo setor privado. Mas do efeito recessivo de curto prazo, tornando mais difícil
isso só ocorreria se o consumo e o investimento priva- que o nível de atividade mostrasse sinais de reativação já
dos, financiados por entradas de capitais, aumentassem. no segundo semestre.
O requisito para tanto era uma “chuva de dólares”. Essa Contudo, essa estratégia seria, ao mesmo tempo, mais
chuva seria útil, também, para financiar o aumento de custosa para o setor público. A absorção de base mo-
importações requerido pela reativação da economia. E a netária implicaria reduzir a base do imposto inflacio-
chuva teria de ser intensa, uma vez que deveria financiar nário e pagar taxas mais altas sobre as Letras do Banco
também um déficit fiscal primário que, por conta do Central (Lebacs). Apareceria o conhecido problema
gradualismo, o governo só pretendia reduzir até 4,8% do déficit quase-fiscal. Nesse cenário, o governo estaria
do produto interno bruto (PIB). de fato “devolvendo” o imposto inflacionário aos que
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Nº 128 - Julho/Agosto/Setembro de 2016