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Câmbio e Pagamentos Internacionais


          2008, essa tendência de apreciação foi observada nos  a alçada dos policy-makers, quer para lidar com as vicis-
          dois governos Lula da Silva (2003-2010), culminando,  situdes dos ciclos econômicos de curto prazo, quer para
          no início do governo Dilma Rousse , com a exagerada  controlar a in ação). Em particular, em nosso modelo, a
          sobrevalorização mencionada. Já no período posterior à  política macroeconômica de curto prazo (notadamente,
          pandemia, é possível que o real brasileiro tenha  cado  as políticas monetária e cambial) in uencia, em gran-
          invariavelmente subvalorizado.                      de medida e de forma duradoura, o desalinhamento da
                                                              taxa de câmbio real observada de seu nível “ótimo”.
          O  objetivo  deste  artigo  é  replicar  nosso  modelo  eco-
          nométrico  e  estimar  a  taxa  de  câmbio  real  “ótima”  para  Em nosso modelo teórico, tanto a trajetória da taxa de
          o  desenvolvimento  brasileiro  no  início  de  2025,  a  qual,  câmbio real no longo prazo como o desvio da taxa de
          pela  nossa  conceituação,  é  ligeiramente  maior  do  que  a  câmbio real observada em relação ao nível “ótimo” po-
          taxa de câmbio real de equilíbrio de longo prazo (a taxa  dem ser representados pela seguinte equação:
          “neutra”,  que  proporciona  benefícios  idênticos  aos  pro-
          dutores domésticos que competem com as importações,
          aos  exportadores  e  aos  importadores).  Embora  os  deta-
          lhes metodológicos sejam descritos nas seções seguintes,
          adiantamos  ao  leitor  que  a  taxa  “ótima”  estimada  pelos
          dois  modelos  econométricos  foi  de  R$5,40/US$,  o  que
          signi ca que a taxa de câmbio nominal, que, entre janeiro
          e fevereiro de 2025, vinha  utuando entre R$5,60/US$ e   em  que  RER  é  a  taxa  de  câmbio  real,  a  componente
          R$6,20/US$, está acima da taxa “ótima”. Ou seja, no pri-  g  é  formada  por  um  conjunto  de  variáveis  estruturais
          meiro bimestre de 2025, o real brasileiro se mantinha sig-  (struct ) que in uenciam a taxa de câmbio real no lon-
                                                                   lpt
          ni cativamente subvalorizado em relação à taxa “ótima”   go  prazo  (em  especial,  a  renda  per  capita Y –  que  capta
          apropriada para assegurar o desenvolvimento econômico.  o  chamado  efeito  Harrod-Balassa-Samuelson,  isto  é,  o
                                                              impacto do aumento da produtividade dos tradables, que
          O artigo contém mais três seções adicionais. Na segun-  tende  a  apreciar  a  moeda  em  termos  reais  em  relação  à
          da seção, reapresentamos o modelo teórico. Na terceira   moeda estrangeira –, os temos de troca ToT e os saldos em
          seção, estimamos nosso modelo empírico de determina-  Conta-Corrente do Balanço de Pagamentos CC), ao pas-
          ção das taxas “ótimas” e de equilíbrio. Na última seção,  so que a componente m diz respeito a um conjunto de va-
          concluímos o estudo.                                riáveis direta ou indiretamente in uenciadas pela política
                                                              macroeconômica de curto prazo (cp ). Em nosso modelo
                                                                                             t
                                                              econométrico, as variáveis de curto prazo relevantes são o
          O MODELO TEÓRICO            2                       diferencial entre as taxas de juros nominais de curto pra-
                                                              zo  interna  i  externa  i*  (IDIFER),  o  estoque  de  reservas
          Nos modelos convencionais de determinação da taxa   internacionais (RI) e o prêmio de risco-país (CR).
          de câmbio real (Razin e Collins, 1999), enquanto os
          fundamentos da economia (notadamente a evolução do  Dois aspectos marcantes permitem distinguir nosso
          PIB real e da demanda agregada real) explicam o nível  modelo dos modelos convencionais de determinação
          da taxa de câmbio real de equilíbrio de longo prazo, o  da taxa de câmbio real de longo prazo. O primeiro é
          desalinhamento cambial em relação à esta taxa é explica-  que, embora as variáveis contidas na componente g se-
          do apenas por choques aleatórios. Diferentemente dos  jam similares às que in uenciam as variáveis ditas “fun-
          modelos convencionais, nosso modelo é estruturalista-  damentais” dos modelos convencionais, nosso modelo
          -keynesiano, uma vez que a trajetória da taxa de câmbio  rejeita a hipótese de que estas sempre façam convergir a
          real no longo prazo e os desvios da taxa de câmbio real  taxa de câmbio real para seu nível de equilíbrio de longo
          observada de seu nível de equilíbrio “neutro” e, mais  prazo (“neutro” ou “ótimo”). Isso signi ca que as forças
          ainda, de seu nível “ótimo” (como já de nido anterior-  de mercado podem ou não conduzir a taxa de câmbio
          mente) são explicados simultaneamente por variáveis de  nominal ao seu nível real “ótimo” de longo prazo, mas,
          longo prazo associadas à estrutura da economia e por  se isso ocorrer, terá sido um resultado do acaso ou em
          variáveis direta ou indiretamente associadas à política  decorrência de ajustes cambiais rápidos e intensos em
          macroeconômica de curto prazo (ou seja, variáveis sob  períodos de crise – por exemplo, como ocorreu no Bra-
                                        ............................................................................
          2  Esta seção é uma adaptação de Nassif, Feijó e Araújo (2017).

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