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RBCE - A revista da



                                                              cional (por exemplo, entre 2004 e 2011), por causa da
                                                              melhora nos termos de troca e da enorme atração de ca-
                                                              pitais estrangeiros exercida pelo diferencial de juros do-
                                                              méstico em relação ao externo, e, de outro, a depreciar
                                                              expressivamente nos períodos imediatamente poste-
                                                              riores aos choques econômicos (por exemplo, no breve
                                                              período após a crise  nanceira global de 2008 e, mais re-
                                                              centemente, após os choques simultâneos da pandemia
                                                              da Covid-19 e da guerra da Ucrância).

                                                              Esse tem sido o fato estilizado no Brasil desde o Plano Real.
                                                              Após  a  adoção  do  regime  de  câmbio   utuante,  o  proble-
                                                              ma se manteve, já que o Banco Central do Brasil (BCB),
                                                              diferentemente da prática dos bancos centrais de diversos
                                                              países  em  desenvolvimento,  sobretudo  dos  países  asiáti-
                                                              cos,  pratica  um  regime  de  câmbio   utuante  quase  puro.
                                                              Somente  as  economias  desenvolvidas,  que  transacionam
                                                              ativos denominados em moedas conversíveis com elevados
                                                              prêmios de liquidez, podem se dar ao luxo de praticar um
                                                              regime  utuante quase puro, como o Brasil. Em contraste,
                                                              as economias em desenvolvimento asiáticas, a despeito do
                                                              elevado grau de abertura aos  uxos de capitais, praticam re-
                                                              gimes de câmbio  utuantes administrados, caracterizados
          nal melhora a distribuição da renda nacional em favor  pela maior frequência com que os policy-makers intervêm
          dos trabalhadores.                                  nos mercados de câmbio à vista e a termo e pela adoção, em
                                                              alguns  casos,  de  controles  ad  hoc  de  capital,  visando  asse-
          Em artigo originalmente publicado como Working Paper   gurar a estabilidade da taxa de câmbio real. Em contraste,
          na  UNCTAD   -  United  Nations  Conference  on  Trade  nossa  autoridade  monetária  é  tolerante  com  níveis  acen-
          and Development (Nassif, Feijó e Araújo, 2011),  apre-  tuados de sobrevalorização da moeda nacional por longos
          sentamos uma metodologia para estimar a taxa de câm-  períodos, porque facilita sua tarefa de convergir a in ação
          bio real “ótima” para o desenvolvimento, de nida como   para  a  meta,  e  tem  mostrado  sinais  de  fraqueza  perante
          aquela que, por ser capaz de realocar de forma e ciente   ataques  especulativos  que  levam  a  overshootings cambiais,
          os recursos da economia em direção às indústrias gerado-  como o ocorrido no  nal de 2024. Ou seja, nossa autori-
          ras e difusoras dos ganhos de produtividade para a eco-  dade monetária abstém-se de intervenções que poderiam,
          nomia como um todo, acelera e sustenta, ceteris paribus,   implicitamente, contribuir para que as taxas de câmbio no-
          o desenvolvimento econômico. As evidências empíricas  minais orbitassem em torno do nível “ótimo”, que deveria
          apontam  que  tais  indústrias  estão  localizadas  no  setor  ser periodicamente reestimado pelo BCB, sem que o valor
          manufatureiro,  considerado  o  principal  motor  dinâmi-  dessa taxa fosse explicitada ao mercado.
          co  do  crescimento  da  produtividade  tanto  deste  setor
          quanto  da  economia  como  um  todo,  como  enfatizado  Em nosso artigo original (Nassif, Feijó e Araújo, 2011),
          pioneiramente  por  Kaldor  (1966),  a  partir  da  regulari-  a taxa de câmbio real teria alcançado seu nível “ótimo”
          dade empírica veri cada originalmente pelo economista   (a taxa de câmbio real de longo prazo estimada econo-
                                       1
          holandês A. P. Verdoorn (1949).  Em artigo publicado,   metricamente, não a observada) em 2004 (média do pe-
          posteriormente,  na  Revista  de  la  Cepal/Cepal  Review   ríodo). Em abril de 2011, como a taxa de câmbio real
          (Nassif,  Feijó  e  Araújo,  2017),  re namos  e  detalhamos  “ótima” deveria ser da ordem de R$2,90/US$, contra
          nosso modelo teórico e a metodologia de estimação.  um nível observado de apenas R$1,59/US$, havia, en-
                                                              tão uma (mega) sobrevalorização de 82% em relação ao
          O problema da taxa de câmbio real no Brasil é que, além  nível competitivo necessário para sustentar o processo
          de extremamente volátil, ela tende, de um lado, a apre-  de desenvolvimento econômico brasileiro! À exceção
          ciar consideravelmente nos ciclos de bonança interna-  do curto período posterior à crise  nanceira global de
                                        ............................................................................
          1  Para evidências recentes dessa regularidade empírica (conhecida como lei de Kaldor-Verdoorn) para a América Latina, ver Ros (2013).


          Nº  162 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2025                                                       45
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