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Nova Indústria Brasil
um todo, levando-se em conta o estágio vigente e o po- aos agentes produtores as perspectivas de investimento
tencial futuro de capacitação tecnológica do país. 16 nos diferentes segmentos do complexo da saúde.
Além disso, como comenta a e Economist (2022), o A mesma crítica vale para o setor de infraestrutura, prio-
retorno da política industrial com contornos verticais, ridade das prioridades no Brasil, já que, se bem mapea-
amparada em vultosos programas de subsídios gover- das as áreas prioritárias e efetivados os investimentos, ele
namentais a setores diversos como bioenergia, reatores exerce múltiplos impactos positivos, no curto e no lon-
nucleares, equipamentos médicos, semicondutores, go prazo, como o fomento de emprego, a indução para
entre outros, retornou, com ímpeto, no mundo desen- frente e para trás em diversos outros segmentos produ-
volvido, especialmente Estados Unidos, Japão, França e tivos (das indústrias de construção, de bens de capital,
Alemanha. No grupo dos países em desenvolvimento, de bens intermediários e de serviços) e a disseminação
China e Índia jamais abandonaram políticas industriais de externalidades econômicas positivas. As áreas priori-
de corte vertical, mesmo após a adoção de programas tárias estabelecidas na Missão 3 (“Infraestrutura, Sane-
de liberalização comercial, nos anos 1990. Assim, se o amento, Moradia e Mobilidade Sustentáveis”) são vagas
governo brasileiro se guiasse pelo argumento ilusório (“mobilidade”, “cadeia produtiva da bateria”, “constru-
de que estímulos horizontais, baseados em subsídios a ção civil digital e baixo carbono” e “indústria metroviá-
P&D em ciência e tecnologia, bastarão para enfrentar o ria”) e poderiam ser mais bem detalhadas, explicitando,
jogo competitivo que se arma para o restante do século, inclusive, maior articulação com o Novo Programa de
ele estaria se comportando como o “bobo da corte”. Aceleração do Crescimento (PAC).
Na NIB, a missão de fomentar o complexo industrial da ii) De nição incompleta dos instrumentos para a
saúde é justi cada com o argumento de que é necessário execução da NIB.
reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar e melho-
rar o acesso da população aos serviços de saúde pública. As políticas industriais devem articular, preferencial-
Embora não haja qualquer restrição a essa justi cativa, mente, uma diversidade de instrumentos de políticas
será preciso explicitar, com maiores detalhes, quais são públicas aceitos pelos acordos multilaterais de que o
os segmentos prioritários para o alcance dessa missão país faz parte. Eles abarcam não apenas instrumentos da
no longo prazo. Como o complexo industrial da saúde, política doméstica ( nanceiros, compras governamen-
como sugere a própria expressão, abarca uma diversida- tais, conteúdo local, subsídios à produção), mas tam-
de de atividades e segmentos produtivos, como a elabo- bém da política de comércio exterior (especialmente
ração de fármacos de toda espécie (produtos farmacêu- tarifas de importação e mecanismos de promoção das
ticos e componentes químicos), fornecedores especiali- exportações). Os instrumentos descritos na NIB, se bem
zados (equipamentos médico-hospitalares), institutos sejam importantes para a provisão de nanciamento aos
públicos de pesquisa (Fiocruz e Instituto Butantã) e investimentos físicos e em inovações (notadamente os
infraestrutura de serviços de saúde (hospitais e clínicas nanciamentos do BNDES e da Finep) e para propiciar
de saúde), convém ao governo delimitar as prioridades, o atingimento de escalas de produção competitivas nas
sobretudo as relacionadas à produção de produtos far- indústrias sujeitas a retornos crescentes (compras gover-
macêuticos propriamente ditos, em que se abre uma ja- namentais e conteúdo local), são insu cientes para tor-
nela de oportunidades para o Brasil em alguns nichos nar viáveis as metas planejadas.
(mas não em todos), como o da produção de vacinas, Particularmente, falta na NIB uma maior articulação
de fármacos para combate a doenças tropicais e, até entre a política industrial proposta e a política comer-
mesmo, de alguns poucos componentes químicos. No cial externa do país. A esse respeito, Castilho e Miranda
documento em que se estabelecem as metas prioritárias, (2017) haviam mostrado que a estrutura de tarifas de
apontam-se os fármacos, vacinas e homoderivados, bem importação brasileira encontrava-se relativamente defa-
como os dispositivos médicos, mas seria conveniente sada, com níveis de proteção efetiva muito elevados para
delimitar, mais à frente, os tipos de fármacos e equipa- alguns setores, como o têxtil e o automotivo, e muito
mentos que deverão ser internalizados, até para sinalizar baixos para outros, como o de bens de capital. Além
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16 Para o leitor interessado, mais detalhes podem ser encontrados em Nassif (2000), Cimoli et al. (2007), Nassif, Bresser-Pereira e Feijó (2018), Lin e
Chang (2014), Bianchi e Labory (2018), Liu (2019) e Stiglitz (2021).
17 Enquanto a tarifa nominal leva em conta apenas a alíquota de importação vigente em cada setor, a tarifa efetiva considera as alíquotas nominais inciden-
tes sobre o setor e sobre os bens intermediários por ele utilizados. A tarifa efetiva é mais apropriada para medir o grau de proteção vigente em cada setor.
50 Nº 158 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2024