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Nova Indústria Brasil


          Como no mundo real prevalecem retornos crescentes   produzem efeitos similares aos do setor manufatureiro
          de escala e externalidades de toda ordem, não há qual-  como um todo, mas as evidências revelam que a cres-
          quer garantia de que laissez-faire e livre-comércio puro  cente integração observada entre ambos, por meio de
          assegurem os resultados de máxima e ciência. É verda-  impulsos e respostas dinâmicos (feedbacks), não acarre-
          de que a teoria neoclássica, ao admitir a existência de  tou a proeminência do setor de serviços como motor do
          “falhas de mercado”, aceita algumas medidas governa-  crescimento, status detido pelo setor industrial. 5
          mentais para corrigi-las, mas, ainda assim, na crença de
          que tal correção, direcionada a mercados imperfeitos,  iii) “A NIB ressuscita políticas industriais que não
          é, em princípio, capaz de produzir resultados similares   mostraram resultados na década de 2000.”
          ao do equilíbrio perfeitamente competitivo, o que não
          faz sentido. De todo modo, mesmo nesses casos, a teoria   São diversas as razões que explicam o fracasso de políticas
          sempre faz ressalva à intervenção do governo, argumen-  industriais, cabendo destacar: a falta de monitoramento
          tando que, ao não dispor do conjunto de informações  das metas e de requerimentos de resultados, tais como in-
          relevantes para a tomada de decisão, as “falhas de gover-  cremento de produtividade, redução de custos e, quando
          no” podem agravar as “falhas de mercado”. 2         for o caso, desempenho exportador; a ameaça de retirada
                                                              dos  benefícios  públicos,  concedidos  quando  se  veri ca
          ii) “Políticas industriais verticais, de apoio a se-  persistente reincidência de baixa performance por parte
          tores especí cos, como à indústria de transfor-     das empresas incentivadas; a falta de articulação não ape-
          mação ou a segmentos do setor manufatureiro,        nas entre os principais agentes formuladores e executores
          resultam em ine ciência econômica.”                 da política industrial (ministérios, bancos de desenvolvi-
                                                              mento  e  outras  agências  governamentais),  mas  também
          A proposição é uma extensão da anterior e pressupõe  entre estes e as demais instâncias de políticas públicas, in-
          que os efeitos econômicos emanados do setor industrial,  cluindo a macroeconômica, dentre outras.
          no longo prazo, são similares aos dos setores primário
          e de serviços tradicionais. Embora uma unidade mo-  Além de indicar prioridades distintas das políticas in-
          netária, produzida por cada um desses três setores, seja   dustriais adotadas entre 2004 e 2014, a NIB estabele-
          idêntica do ponto de vista contábil, isso não é verdade   ce missões por meio das quais, via estreita cooperação
          sob a ótica de seus impactos econômicos. Consideran-  entre governo e setor privado, metas, prioridades e ins-
          do que a indústria de transformação comanda a geração   trumentos de política governamentais serão implemen-
          e a difusão de progresso técnico, responde pela maior  tados para alcançar objetivos econômicos e sociais no
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          parte dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D)   longo prazo.  Tendo em vista a estagnação da economia
          no mundo, opera com tecnologias sujeitas a retornos  brasileira e o severo processo de desindustrialização pre-
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          crescentes de escala, estáticos e dinâmicos, e tem liga-  matura, registrados nas últimas décadas,  os principais
          ções para frente e para trás com, praticamente, todas as   objetivos econômicos e sociais subjacentes à nova po-
          cadeias produtivas, seus impactos sobre o crescimento  lítica industrial são plenamente justi cados: retomar o
          econômico e sobre a produtividade média agregada são   crescimento sobre bases sustentáveis, de sorte a restabe-
          mais expressivos do que os dos demais setores.  É verda-  lecer a trajetória interrompida de convergência da renda
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          de que novos segmentos high-tech do setor de serviços   per capita do Brasil para níveis médios dos países desen-
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          2  O leitor interessado deve consultar Corden (1997).
          3  Segundo a base de dados da United Nations Industrial Development Organization (Unido-United Nations).
          4  Uma discussão detalhada desse assunto, com farta referência bibliográ ca, consta em meu livro já citado (Nassif, 2023).
          5  Essas evidências são analisadas por Bianchi e Labory (2018).
          6  A política industrial, orientada por missões, foi proposta por Mazzucato (2021). Retomarei a discussão desta abordagem adiante.
          7  O Brasil é um dos países em desenvolvimento mais severamente prejudicados pela desindustrialização prematura nas últimas décadas. A participação do
          valor adicionado da indústria de tranformação no PIB (a preços constantes de 2015) diminuiu de 21,1% para 11,9% entre 1980 e 2020 (Morceiro, 2021).
           uanto à participação do emprego industrial no emprego total no Brasil, o resultado tem sido tradicionalmente decepcionante. Segundo a Pesquisa
          Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE/Série Anual), a maior parcela de mão de obra absorvida pela indústria de transformação brasileira,
          correspondente a 16,2%, foi alcançada em 1986. Em 2018, essa parcela já se havia reduzido para apenas 10,8%.
          8  As diferenças de performance da economia brasileira entre 1950 e 1980, comparada ao período 1981-2022 são gritantes: no primeiro período, a taxa
          de crescimento do PIB real e da produtividade do trabalho no Brasil foram de 7,4% (contra 4,5% no mundo) e 4,5%, respectivamente; já no segundo
          período, estes resultados foram pí os, de apenas 2,1% (contra 3% no mundo) e 0,2%, respectivamente. Dados do IBGE para o PIB no Brasil, do Banco
          Mundial, para o PIB global, e do Groningen Growth and Development Centre (University of Groningen) e da Fundação Getulio Vargas (IBRE-FGV), para
          a produtividade do trabalho no Brasil.

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