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Câmbio
A primeira iniciativa era simples e rápida: eu já conhecia econômica, mas principalmente de sobrevalorizar o Real e
alguns bons operadores de gestão de ativos em bancos assim tornar as importações chinesas cada dia mais bara-
de investimentos, um deles mais jovem, economista re- tas para o mercado brasileiro! Isto era nitroglicerina pura!
cém-formado, havia sido aluno de meu irmão Eduardo
poucos anos antes no Insper, e era muito inteligente. Logo me deu ansiedade de terminar a conversa. Fiz a úl-
Acabava de ser empregado por um dos principais ban- tima pergunta: como eu poderia abrir uma conta com
cos de investimentos estrangeiros com forte atuação no eles e fazer uma aplicação em “carry trade”? Simples, me
Brasil e escritório na Faria Lima em São Paulo, a cinco responderam. “Abrimos uma conta sua na mesa de ope-
minutos a pé de meu escritório. rações em No a Iorque, o valor mínimo é de US$1,0 mi-
lhão, este depósito ca bloqueado como garantia de mar-
“Por que não havia pensado nisto antes?” perguntei a mim gem de um limite de US$10,0 milhões que abriremos e
mesmo enquanto caminhava para o escritório do banco iremos operar em seu nome no mercado futuro de câmbio
numa suntuosa torre de mármore, aço, e vidros escuros. da B3. Com a alavancagem máxima de 10 vezes, o valor
Lá chegando este rapaz e um outro o cer da instituição - deste in estimento lhe dará um resultado excepcional”, me
nanceira me receberam com muita cortesia e logo a rmei garantiram. Deram-me um set de documentos para exa-
que gostaria de fazer uma aplicação nanceira com eles. minar e assinar, me despedi e voltei correndo para meu
Perguntei se a operação de “carry trade” seria uma boa op- escritório já no cair da noite. Ainda dava tempo para um
ção, e quais seriam os riscos e os resultados. Fingindo que telefonema muito importante naquela mesma noite.
eu pouco sabia a respeito, eles me deram uma verdadeira
aula sobre a operação de “carry trade”, indicando riscos e Chegando de volta ao meu escritório, ainda afobado
vantagens em detalhes, apoiados por uma excelente apre- com aquelas informações, logo pedi uma ligação ur-
sentação em powerpoint que apresentava as margens de gente para Brasília, e em menos de cinco minutos meu
arbitragem de juros e de câmbio daquela operação. Estava interlocutor atendia do outro lado da linha: “Ministro
tudo indo muito de acordo com meu roteiro mental, mas Guido Mantega, lembra-se de quando con ersamos uns
faltava explorar porque no último dia de cada mês inva- dias atrás sobre a sobrevalorização cambial e o prejuízo
riavelmente ocorria um degrau abaixo na escala de sobre- para os exportadores brasileiros? Pois eu descobri um dos
valorização do Real frente ao Dólar? responsáveis de promo er esta sobrevalorização através do
mercado futuro de câmbio. V. está sentado?”.
Foi quando aí que a conversa começou a car mais in-
teressante. Eles a rmaram que o risco de uma eventual O Ministro Guido Mantega percebendo minha exaltação,
desvalorização cambial na hora de rolagem dos contra- respondia em monossílabos: “Sim, diga logo, de quem ocê
tos de câmbio futuro era muito remoto, pois inúmeros está falando?”. Minha resposta foi imediata: “Do Fundo
bancos importantes, nacionais e estrangeiros, atuavam Soberano da China....!”. Expliquei de como havia desco-
naquela direção ao mesmo tempo, e ninguém queria berto este fato, e camos ambos perplexos por alguns mi-
perder dinheiro, ao contrário queriam mais, adicionan- nutos comentando daquela absurda situação, quando ele
do sempre na margem nal da operação um spread de então deu o sinal de que encerraria a conversa: “Amanhã
câmbio entre a taxa PTAX de entrada e de saída na ro- sigo para a reunião do G-20 no exterior e ou comentar e
lagem a cada nal de mês. Bingo! Perguntei em segui- reclamar com o Ministro da Economia da China sobre esta
da sobre o volume de contratos, se estava crescendo ou situação. Na próxima semana venha a Brasília e falaremos
caindo, e se haviam grandes investidores institucionais pessoalmente sobre isto aqui no Ministério”.
estrangeiros envolvidos neste tipo de operação?
No dia 7 de Julho de 2011 a primeira página do Correio
A resposta me deixou ainda mais estupefato: não só o Braziliense estampava a manchete que vinha da Agencia
volume de contratos já era de mais de R$20 bilhões por France Presse de Paris: “Guido Mantega acusa a China
dia no mercado futuro de câmbio, como crescia expo- de manipular sua moeda”. E na entrevista a rmava em
nencialmente desde 2009 por conta dos excelentes re- alto e bom som: “Não só a China manipula sua moeda,
sultados nanceiros obtidos, como viam chegar neste mas também as moedas de outras países, e o Brasil critica
mercado alguns players muito relevantes e com muito veementemente todas as manipulações de moedas, que es-
capital, por exemplo, um dos fundos soberanos da Re- tão dando origem a uma verdadeira guerra cambial. Esta-
pública Popular da China. Pensei comigo: O que? Um mos tomando todas as medidas contra a supervalorização
fundo soberano da China operando nos bastidores do mer- do Real. Mas ainda não posso detalhá-las porque anda é
cado futuro de câmbio no Brasil com objetivo não de ape- surpresa. Me aguardem.”, terminando a entrevista. Neste
nas de lucrar em cima de nossa disfuncionalidade macro- dia a taxa de câmbio estava no seu nível mais baixo nos
30 Nº 157 - Outubro, Novembro e Dezembro de 2023