Page 42 - RBCE 156
P. 42
Desa os Tributários
Por isso, um regime cumulativo estimula a verticalização Ao contrário de outros países que tributam o valor agre-
em que as empresas tentam controlar todos os estágios gado por meio de um imposto único, o Brasil optou por
do processo produtivo, perdendo as vantagens competi- implementar um conjunto de cinco tributos de compe-
tivas decorrentes da especialização. tências federativas distintas, compreendendo três im-
postos (IPI, ICMS e ISS) e duas contribuições sociais
Para focar o ônus no valor agregado e excluir os impos- (PIS/Pasep e Co ns). A falta de homogeneidade por si
tos embutidos nos preços, foram concebidos os regimes só lança um desa o bastante complexo para se estabe-
não cumulativos. Ao contrário do que se vê na cascata lecer qualquer sistema de compensação e ressarcimento
que acabamos de descrever, o tributo suportado pelo que caracterize um regime não cumulativo. Além disso,
comprador se transforma em crédito a seu favor. Pos- o próprio texto atual da Constituição Federal autoriza
teriormente, quando há a revenda, repete-se o ritual: regimes cumulativos no ISS e nas contribuições sociais.
o comprador seguinte faz o pagamento ao revendedor, E quando a mesma Constituição faz referência à não
que se incumbe de recolher o tributo. Dessa vez, contu- cumulatividade no IPI e no ICMS, uma série de exce-
do, o revendedor pode abater o imposto que recolheu ções impede que a regra se replique no ordenamento de
na operação anterior. Como ocorre uma compensação, modo transparente e consistente. Finalmente, o ICMS
eliminando-se o que foi desembolsado na operação ori- adota um mecanismo de tributação que autoriza o es-
ginal, não se acumula carga tributária. Assim, o imposto tado de origem a tributar parcialmente uma operação
incide exclusivamente sobre o valor agregado, e não mais comercial, o que di culta o reconhecimento de créditos
sobre o próprio tributo que fora cobrado anteriormen- nas transações interestaduais.
te. Com essa fórmula, abre-se uma avenida larga para a
criatividade e a especialização nas cadeias produtivas, Em função dessas características do nosso sistema tribu-
favorecendo-se a oferta de novas vagas de emprego e o tário, observa-se que o Brasil ainda tributa a produção
ingresso de mais investimentos na economia. em vez de tributar exclusivamente o consumo. Sob esse
prisma, a oneração scal avança além do valor agrega-
do, desestimulando a formação de elos nas cadeias pro-
O SISTEMA BRASILEIRO ATUAL E A dutivas. O carregamento desse peso scal em cada uma
REFORMA TRIBUTÁRIA das operações até a venda nal passou a ser conhecido
como resíduo tributário. Trata-se de um problema que se
agrava à medida que aumenta a complexidade da cadeia
Como já foi explicado, cada operação tributada gera um
crédito correspondente a favor do adquirente, caso em- produtiva afetada, atingindo especialmente as empresas
pregue o produto ou serviço em seu processo produtivo. exportadoras. O ônus do resíduo tributário acaba por
Trata-se de uma medida para evitar cumulatividade. À ser incorporado ao preço nal dos produtos exportados,
medida que passa adiante o seu produto, a empresa pode abalando a competitividade do país no mercado interna-
compensar esse crédito na próxima operação tributada. cional. Nota-se que esse efeito da cumulatividade vai na
Em linhas gerais, assim funciona um regime não cumu- contramão das políticas adotadas pelos diversos países
lativo pleno. E como funciona atualmente no Brasil? que empregam a sistemática de tributar o valor agregado.
A reforma tributária em tramitação no Congresso Na-
cional tem como foco a tributação incidente sobre pro-
“ O Brasil ainda tributa a produção dução e consumo. O propósito é desonerar a produção,
concentrando a carga scal exclusivamente no consumo.
em vez de tributar exclusivamente No centro do sistema proposto encontra-se a orientação
pela não cumulatividade plena, a ser alcançada por um
o consumo... O ônus do resíduo esquema nacional, baseado em cooperação federativa,
tributário acaba por ser incorporado voltado para a tributação no destino e fundado na devo-
ao preço nal dos produtos lução pronta e efetiva de créditos às empresas. A estraté-
gia adotada pelo governo, em conjunto com o Congres-
exportados, abalando a so Nacional, consistiu em aproveitar a PEC 45/2019,
competitividade do país no que já havia passado pela Comissão de Constituição e
mercado internacional Justiça e de Cidadania (CCJC) e pela Comissão Espe-
cial, ambas da Câmara dos Deputados, para introduzir
” um texto substitutivo diretamente no Plenário a partir
38 Nº 156 - Julho, Agosto e Setembro de 2023