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Financiamento
Excetuando o período 2009-2016, em que parte signi- poupanças para os demandantes de empréstimos da for-
ficativa do funding proveio de recursos do Tesouro Na- ma mais eficiente possível, produzindo taxas de juros
cional, o passivo do BNDES, desde sua constituição, em reais socialmente ótimas. Mecanismos que gerem dis-
1952, formou-se, de um lado, pela combinação de recur- túrbios e provoquem “repressão financeira” no mercado
sos provenientes de fundos diversos, como a poupança de crédito, como o crédito direcionado de bancos pú-
forçada dos trabalhadores via Fundo de Amparo ao Tra- blicos, taxas subsidiadas etc., supostamente resultam em
balhador (FAT) e antigo Fundo PIS-PASEP, adicional do taxas de juros reais subótimas. Se o mercado gerar taxas
imposto de renda, recursos provenientes de empréstimos de juros reais muito elevadas, será melhor deixar que os
estrangeiros etc. e, de outro, por dotações orçamentárias próprios fundamentos econômicos restaurem as condi-
próprias, decorrentes da lucratividade inerente aos finan- ções ideais. É o domínio do laissez faire, laissez passer.
ciamentos concedidos, o que revela notória capacidade de
planejamento de seu corpo técnico de manter em cresci- Neoclássicos menos fundamentalistas, como Joseph Stiglitz,
mento os recursos financeiros da instituição. rejeitam a hipótese dos mercados eficientes, mas alegam
que falhas no mercado de capitais, como concorrência
Que papel o BNDES deveria desempenhar no século imperfeita e assimetria de informação, fazem com que os
XXI? Quais deveriam ser suas principais fontes de fi- bancos, míopes quanto à capacidade de calcular o risco
nanciamento? E o custo dos empréstimos, deveriam ser a do tomador de empréstimos, racionem crédito e/ou fi-
taxas de juros de mercado, algum meio termo ou envolve- xem tetos homogêneos para as taxas de juros. Oferta in-
riam subsídios explícitos? Ou as três alternativas, depen- suficiente de crédito e juros anomalamente superiores aos
dendo do caso? Não é possível dar respostas simples para que reflitam os fundamentos ótimos do mercado finan-
questões complexas sem o auxílio da teoria econômica. ceiro justificariam a intervenção do Estado, mediante su-
pervisão, regulação e políticas de crédito complementares
Começo pelas justificativas teóricas que embasaram a
adoção da TLP, taxa de juros real livremente determina- para minimização das chamadas “falhas de mercado”.
da pelo mercado, com base na média dos juros reais de 3 A explicação keynesiana para a alocação subótima de
meses pagos pela NTB-N de 5 anos, a qual passou a bali- crédito de longo prazo nada tem a ver com as hipóteses
zar a maior parte dos financiamentos de longo prazo das dos mercados eficientes ou a teoria das falhas de merca-
empresas de grande porte. Na prática, os empréstimos do. A principal razão está relacionada à incerteza radical
são amortizados com base na TLP, uma taxa de juros (isto é, não mensurável através de cálculos probabilísti-
real (componente fixa, descontada a inflação), acrescida cos de risco futuro) associada a projetos de investimento
do IPCA (componente variável) durante a vigência do de longo prazo, como infraestrutura, aquisição de má-
contrato, além dos spreads básico e de risco. A ideia da quinas e equipamentos e inovações tecnológicas. Nos países
TLP é vinculada à hipótese da teoria liberal neoclássica em desenvolvimento, sobretudo, em face do maior grau
de que, sob laissez-faire, os mercados financeiros alocam de incerteza e risco, dificilmente o sistema financeiro
privado alocará crédito de longo prazo na magnitude
“ suficiente para sustentar taxas de investimentos adequa-
das para promover a acumulação de capital, o avanço
Uma vez que os projetos com maior
papel crucial de bancos de desenvolvimento, como o
potencial de transformação econômica da produtividade e o desenvolvimento econômico. O
são comandados pelas maiores empresas, BNDES, continua sendo não apenas compensar a es-
sua incorporação na escala prioritária de cassez relativa de crédito de longo prazo, mas também,
desembolsos do BNDES fará com que em casos específicos, compartilhar riscos associados a
investimentos de longa maturação e/ou em projetos de
os investimentos realizados tendam a inovação, notadamente os que envolvem tecnologias de
produzir impactos para trás (nos setores caráter disruptivo, que exigem capital “paciente”.
fornecedores de bens intermediários) e
para a frente (nos setores produtores de Esses fundamentos teóricos dão pistas de qual deve ser
bens e serviços finais), induzindo efeitos o papel do BNDES na alocação de financiamento dos
investimentos no século XXI. É preciso, obviamente,
multiplicadores que beneficiarão micro, usar de seletividade. Com base nas transformações em
pequenas e médias empresas curso e nas peculiaridades econômicas e sociais brasilei-
” ras, penso que os fluxos de crédito do banco devam prio-
24 Nº 154 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2023