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Cadeias Globais de Valor


          É sempre bom lembrar que a industrialização voltada  Por exemplo, no caso do setor de calçados, ganha relevo os
          para exportação nas economias de alto desempenho    clusters no Rio Grande do Sul e em São Paulo – conforma-
          do Leste Asiático (Coreia do Sul e Taiwan) começou  dos no início dos anos 1960 que contaram à época com o
          com o engajamento em redes de produção dirigidas    apoio direto da então Cacex/BB para trazer missão de com-
          ao comprador. Por volta do início da década de 1960,  pradores ingleses e norte-americanos à região, iniciando
          compradores internacionais, primeiro do Japão e depois   os vínculos da GVC de comprador, e apoiando também o
          de outros países industrializados maduros desempe-  financiamento pré e pós-embarque. Movimento parecido
          nharam um papel fundamental na expansão de bens de   ocorreu com a inserção da cadeia de frango e aves na GVC
          consumo padrão intensivos em mão de obra (vestuário,  de comprador, notadamente de Santa Catarina, em que a
          brinquedos e artigos esportivos) desses países. Até o fi-  então Cacex incentivou que nos anos 1970 um consórcio
          nal da década de 1970, as atividades dentro das redes de   de empresas processadoras de frango – que, por sua vez, sa-
          produção dirigidas por produtores nesses países eram  biam produzir e entregar por avião esses bens abatidos ou
          basicamente limitadas a acordos de subcontratação en-  vivos na então Ceagesp em São Paulo – fosse apresentar seus
          tre empresas japonesas produtoras de bens eletrônicos e   produtos aos árabes de origem sunita e/ou xiita. Em função
          elétricos e empresas locais incipientes.            desse matching making  as empresas nacionais escolheram
                                                              seus compradores internacionais e iniciou-se a conquista
          Em contraste, a industrialização com engajamentos em   do mercado internacional, que à época contava ainda com
          GVCs dirigidos por produtores liderada pela expor-  financiamento pré e pós-embarque da Cacex/BB.
          tação também ocorreu nos países do Sudeste Asiático
          (Coreia do Sul e Taiwan), e as redes de fabricantes diri-  A entrada da carne bovina na inserção de GVC de com-
          gidas e direcionadas para as GVCs do tipo comprador   prador se dá no final dos anos 1970 e 1980 mediante a
          ou produtor começaram a se espalhar para alguns países   oportunidade de atender às cotas de produtos de carne
          de baixos salários do Sudeste Asiático somente a partir   de alto valor em função da imposição à entrada de produ-
          do final da década de 1970.                         tos de países em desenvolvimento estabelecida pela então

                                                              Comunidade Europeia – conhecida como Cota Hilton.
          Grosso modo, olhando para a história da conformação
          no Brasil de CGVs desde os anos 1960 para até o início   Na época, o Brasil tinha um volume de quantidade que
          da abertura comercial em 1990 – orientadas pelo pro-  podia ser comercializada na CEE, e essas eram distribuí-
          dutor ou pelo comprador – constata-se a singularida-  das entre as empresas nacionais de produtos de proteína
          de do tamanho do mercado interno, a intensidade dos   animal de origem bovina desde que essas encontrassem
          fatores associados a recursos naturais renováveis e não  compradores europeus, embarcassem, entregassem a mer-
          renováveis, e a importância dos incentivos econômicos   cadoria e mostrassem os documentos comprobatórios à
          dados ao setor de bens manufaturados no bojo da po-  então Cacex. Essas exportações à época contavam ainda
          lítica de comércio exterior de cada momento histórico   com financiamento pré e pós-embarque da Cacex/BB.
          dados pelo governo brasileiro.                      Caso semelhante de estruturação de GVC comprador
                                                              observa-se com o suco de laranja nos anos 1970 e 1980
                                                              – cabendo destacar o pioneirismo de dois “empresários
                                                              de origem fluminense” – um comerciante de frutas da
                                                              Ceasa de origem italiana chamado José Cutrale e um
          “        É sempre bom lembrar que a                 imigrante alemão que conhecia muito de navegação

                                                              chamado Carl Fischer. Eles percebem a oportunidade
                   industrialização voltada para              de fornecer suco de laranja aos Estados Unidos devido
                                                              às sucessivas quebras de safra nos pomares de laranja
               exportação nas economias de alto de-           na Flórida e, de forma pioneira, montaram uma cadeia
                    sempenho do Leste Asiático                de suprimento a partir do interior de São Paulo para a

                (Coreia do Sul e Taiwan) começou              GVC, compradora dos Estados Unidos, de envase de
                                                              sucos e bebidas. Sempre bom lembrar que essas expor-
                  com o engajamento em redes de               tações à época contavam ainda com financiamento pré e
                 produção dirigidas ao comprador              pós-embarque da Cacex/BB.

                                                        ”     Cabe observar que os setores de produtos siderúrgicos,
                                                              de bens eletrointensivos, e de fibra de celulose – todos

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