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RBCE - A revista da
Entre as décadas de 1970 e 1990, muitos países redu-
ziram signiicativamente suas alíquotas de imposto de
renda da pessoa jurídica (corporate tax) com o objetivo
de atrair investimentos de multinacionais, em muitos
casos sem sequer exigir que as empresas assim constitu-
ídas desempenhassem atividade econômica substantiva.
Essas condições de “guerra iscal” entre estados nacio-
nais, aliadas às discrepâncias no valor da mão de obra
entre os diferentes países, propiciaram às transnacionais
um cenário ideal para minimização de custos, inclusive
tributários. Muitas empresas passaram a deslocar suas
operações intensivas em mão de obra para iliais em paí-
ses com farta oferta de trabalhadores, e a estabelecer ou-
tras subsidiárias em jurisdições que ofereciam: i) baixa
tributação sem exigência de atividade econômica subs-
tantiva; ii) pouca transparência acerca dos beneiciários
inais dos ativos; e, se possível ainda, iii) acordos para
De acordo com levantamento da Oxfam, as 50 maiores evitar dupla tributação (ADTs) com o país da matriz e
empresas norte-americanas possuem mais de 1.600 sub- também com aquele onde se situa a ilial produtiva.
sidiárias em paraísos iscais, onde mantêm cerca de US$
1,4 bilhão em ativos. O mesmo estudo indica que, hoje, Surgem assim as jurisdições de tributação favorecida,
1% da população global detém a mesma riqueza dos 99% para onde luem os recursos desviados dos iscos nacio-
restantes, e que as 62 pessoas mais ricas do mundo pos- nais em virtude das complexas estruturas empresariais
suem a mesma riqueza que toda a metade mais pobre da de elisão tributária, ou simplesmente pela evasão iscal.
população mundial. A Organização para a Cooperação Segundo Gabriel Zucman, cerca de 8% da renda mun-
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e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima, de ma- dial (ou US$ 7,6 trilhões) estariam depositados em pa-
neira conservadora, que os governos perdem até US$ 240 raísos iscais. Esse número, contudo, é muito difícil de
bilhões por ano devido a evasão e elisão iscais, práticas aquilatar, até porque, como se verá adiante, ainda não
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que a comunidade internacional tenta coibir há algumas se chegou a um conceito preciso que permita colocar
décadas, mas que apenas muito recentemente passaram a em uma única lista, internacionalmente aceita, todos os
ser abertamente combatidas por mecanismos institucio- paraísos iscais. Com efeito, diferentes organizações e
nais com real poder de controle, e sobretudo mediante países possuem suas próprias listas de jurisdições de tri-
iniciativas de cooperação tributária internacional. butação favorecida, com critérios variáveis.
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3 Wealth: Having It All and Wanting More, por Deborah Hardoon, pesquisadora sênior. Oxfam Reino Unido, 19/01/2016, disponível em: www.oxfam.
org/en/research/wealth-having-it-all-and-wanting-more.
4 Os dados constam de nota, divulgada em 5 de outubro de 2015, apresentando o pacote de recomendações inais do Projeto Base Erosion and Proit
Shiting (BEPS), disponível em: www.oecd.org/ctp/oecd-presents-outputs-of-oecd-g20-beps-project-for-discussion-at-g20-inance-ministers-meeting.
htm. O BEPS, conjunto de 15 ações de reforma do sistema tributário internacional com vistas a combater a erosão da base iscal dos estados, vem sendo
desenvolvido pela OCDE, a pedido do Grupo dos vinte (G20), e constitui hoje a principal iniciativa multilateral na matéria, ao lado do Fórum Global
sobre Transparência e Troca de Informações Tributárias.
5 ZUCMAN, Gabriel. he Hidden Wealth of Nations: the scourge of tax havens, Chicago, University of Chicago Press, 2015.
6 James Henry, por exemplo, oferece, em estudo para o Tax Justice Network, montantes bem maiores, entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões para o ano de
2010. O estudo, intitulado he Price of Ofshore Revisited: new estimates for missing global private wealth, income, inequality and lost taxes foi apresentado
em 2012 e está disponível em: www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/Price_of_Ofshore_Revisited_120722.pdf.
7 Consoante levantamento realizado em 2016 pela DCFT/MRE, com apoio das embaixadas do Brasil, existiriam ao menos 12 listas de paraísos iscais
entre os países que possuem as 40 maiores economias do globo. Além dessas listas nacionais, a União Europeia (UE) e a OCDE também já produziram as
suas. Ou seja, estamos falando de cerca de uma quinzena de listas diferentes. Se há países que aparecem em todas ou na maioria delas, outros casos susci-
tam dúvidas. Um exemplo é a inclusão do Brasil na lista de jurisdições não cooperativas elaborada pela Rússia, sob o argumento de que os dois países não
possuem acordo vigente para troca de informações tributárias.
Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 83