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RBCE - A revista da



          de trabalho, a Cosban representa um importante meca-  de  promover  o  “queijo  de  minas”  sem  oferecer  uma  ex-
          nismo  de  cooperação  e  de  diálogo  entre  os  dois  países,  plicação clara sobre as origens e as particularidades desse
          sendo inegável a sua contribuição na agenda comercial,  tipo de queijo.
          como demonstram os números da balança comercial e os
          exemplos já citados na introdução deste artigo.     Além disso, compreender e se adaptar ao estilo chinês de
                                                              negociar tem sido, para o brasileiro, um desa o que gera
          Mesmo  assim,  ao  longo  desses  vinte  anos  da  criação  da  longas batalhas, muitas vezes por questões pequenas. Em
          Cosban,  permanece  difícil  para  o  Brasil  atingir  as  suas  uma  das  minhas  interações  com  um  cliente  brasileiro  e
          metas de diversi cação da pauta exportadora para a Chi-  uma empresa na China, presenciei um problema funda-
          na  e  de  agregar  produtos  industrializados  nas  vendas  mental em entendimento de cultura de negócios com a
          para o mercado chinês. Existe a vontade do empresário  China.  No  caso,  o  brasileiro,  ao  desenvolver  uma  nova
          brasileiro em vender para a China, mas existe, também,   marca  de  produtos  na  China,  encontrou  problemas  na
          um temor em ser passado para trás, por desconhecer as   fabricação  das  embalagens  e  rótulos.  Enquanto  insistia
          normas e os regulamentos, o idioma, as regras locais e a   que  os  produtos  tinham  que  ser  embalados  com  o  de-
          cultura de negociação. As diferentes e complexas raízes  sign  proposto  por  ele,  os  chineses,  buscando  e ciência
           losó cas  milenares  chinesas,  e  a  impressionante  ma-  e  simplicidade,  negavam-se  a  usar  tantas  formas,  cores
          neira  com  que  a  China  se  modi cou  e  se  transformou  e desenhos no produto. Esse embate rendeu semanas de
          nas últimas décadas, ao incorporar o comunismo, o ca-  conversas, incluindo sucessivas trocas de e-mails e demo-
          pitalismo e a intensidade tecnológica em uma velocidade   radas  videochamadas,  até  que  os  chineses  persuadiram
          surpreendente, a tornaram de fato um país difícil de ser   o fornecedor brasileiro a modi car o projeto e aderir ao
          compreendido pela ótica brasileira.                 design mais simples que haviam proposto. Para o brasi-
                                                              leiro, o episódio signi cou uma negociação perdida e um
          Na Academia, a corrente teórica antropológica represen-  desperdício de tempo e de energia, além de não ter favo-
          ta uma abordagem inovadora que reúne pesquisadores e
          empresários para explorar uma problemática sob diferen-  recido a construção de um relacionamento de con ança
          tes perspectivas, absorvendo e incorporando elementos   com a empresa na China.
          de fora, e de diversas fontes, para fundi-los em algo novo,   No  episódio  mencionado,  o  lado  brasileiro  estava  enca-
                            (
          diferente  e  criativo Jordan,  2010).  A  corrente  busca  rando os chineses com descon ança, tendendo a duvidar,
          transcender as fronteiras tradicionais do conhecimento,   em vez de con ar, e rotulando tudo o que ia de encontro
          promovendo uma abordagem interdisciplinar e integra-  às  suas  expectativas  como  “preguiça”,  “má  vontade”  ou
          da, reconhecendo os laços virtuosos entre pesquisa, en-  “falta de habilidade” dos chineses, o que trouxe enormes
          sino e aplicação prática do conhecimento. Por exemplo,   prejuízos  para  o  aprofundamento  das  relações  empresa-
          por eu ter residido e trabalhado na China, acumulei al-  riais. Essa atitude decorreu, em parte, de o estilo brasileiro
          gumas  histórias  e  experiências  que  podem  ser  de  gran-  de negociar ser muito mais parecido com o estilo norte-
          de  valia  nesse  processo  de  buscar  adaptação  de  marcas  -americano, individualista, sequencial, direto e orientado
          brasileiras ao mercado chinês, já que o brasileiro, famoso
          por sua  exibilidade e criatividade, tem tido di culdades
          reais, além dos livros e teorias, que contribuem efetiva- “  As diferentes e complexas raízes
          em trazer essas qualidades para seus negócios na China.
                                          são
               o
                                                experiências
                 pensamento
                                              as
          Com
                            antropológico,
          mente na formação de uma educação multicultural e na         losó cas milenares chinesas, e a
          geração de negócios criativos (Raaj, 2023).                impressionante maneira com que a
          No setor de alimentos e bebidas, por exemplo, há anos,   China se modi cou e se transformou
          o Brasil se engaja em uma tentativa de vender mais pro-    nas últimas décadas, ao incorporar
          dutos  industrializados  para  os  chineses,  incentivando  a  o comunismo, o capitalismo e a
          sucessiva ida de empresas desse setor para a SIAL, famosa
          feira de alimentos em Xangai, entre outros eventos e mis-   intensidade tecnológica em uma
          sões de negócios do mesmo ramo. Participando de algu-    velocidade surpreendente, a tornaram
          mas dessas feiras como visitante, pude observar a falta de    de fato um país difícil de ser
          adaptação  dos  produtos  brasileiros  ao  mercado  chinês.
          Isso  cou evidente na insistência em comercializar o açaí   compreendido pela ótica brasileira
                                                                                                            ”
          sem ajustes para o paladar local, bem como na tentativa


          Nº  158 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2024                                                       39
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