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Relações Econômicas Brasil e China
No entanto, essas abordagens tornaram-se mais comple- é muito difícil conhecer a cultura chinesa em pequenas
xas. A competição, que antes era observada principal- viagens esporádicas para lá. Por isso, neste artigo, faço
mente com empresas europeias, americanas ou de países uma espécie de exercício antropológico, que inclui, além
asiáticos vizinhos como a Coreia do Sul e o Japão, agora das questões técnicas de negócios internacionais, a com-
se intensi cou com as próprias empresas chinesas. Estas pilação de alguns episódios vivenciados por mim e de
passaram a inovar e a oferecer diversidade e qualidade conhecimentos adquiridos na minha jornada na China,
dentro da própria China, desa ando a ideia de que os que podem ser úteis.
consumidores chineses buscariam no exterior tais carac-
terísticas. Além disso, as empresas locais, ao produzirem Tendo iniciado a minha carreira pro ssional em em-
na China, muitas vezes com incentivos governamentais, presas de agenciamento de cargas e eight forwarder,
e detendo um conhecimento mais profundo do consu- tive também uma passagem pela Câmara de Comércio
midor, conseguem oferecer produtos com preço com- Brasil-China e, posteriormente, uma ampla vivência nas
petitivo, alta qualidade e boa reputação. questões de promoção comercial e de defesa de interesses
na Apex-Brasil, até me mudar para a China em 2015. Na
Com essa mudança na dinâmica do mercado chinês, China, cursei o mestrado de economia política em Xan-
nunca foi tão importante para os empresários brasileiros gai, e depois passei a atuar para uma empresa de trading
buscarem novas estratégias de venda para a China. Do brasileira, também em Xangai, até fundar a minha pró-
mesmo modo, nunca foi tão importante para o Brasil re- pria empresa de comércio e consultoria na China.
duzir a distância física e cultural entre as duas regiões, de
modo a não permitir que as di culdades recentes se tor- Ao residir na China, compreendi melhor a dinâmica da
nem empecilhos futuros. Além de aprofundar a conexão sociedade e da economia chinesa e pude desmisti car as
digital, é preciso promover ações que contribuam para noções culturais fantasiosas que anteriormente envol-
reduzir os custos de transporte e desenvolver programas viam minha percepção sobre o país, e que tinham sido
de intercâmbio cultural mais aprofundados na China, de construídas após sucessivas viagens de curta duração, em
modo a trazer os brasileiros mais para perto dos chineses, que ia acompanhada de uma equipe de tradutores, intér-
ajudando-os a compreender o espírito chinês de nego- pretes e motoristas, que eram essenciais, mas me impe-
ciar e de fazer escolhas. diam de enxergar a China além da superfície. Ao perma-
necer na China por um período mais longo, rompi com
A cultura brasileira e a chinesa são tão distintas que essas a ideia utópica de que a China representava um exemplo
diferenças podem ser também importantes oportunida- de progresso e desenvolvimento, e com a visão romântica
des, assim como o yin e o yang, que são a unidade quase e exótica sobre a sua cultura. Em vez disso, testemunhei
perfeita de dois opostos. Essa compreensão cultural, po- um país mais complexo, marcado por contrastes e diver-
rém, não se adquire de uma hora para outra e, por isso, gências, revelando, também, a sua natureza dura e prag-
requer iniciativas urgentes e bem trabalhadas, e a próxi- mática, e que foi essencial no meu esforço de conhecer a
ma reunião da Cosban é uma excelente oportunidade China como ela é. E é com base nesse conhecimento que
para isso. Ao longo de minha experiência, com quase 20 concluo que é possível desenvolver açōes concretas para
anos de estudos e trabalhos com a China, percebi que compor uma nova Política de Cultura Exportadora para
a China, que agregue novas possibilidades de exportação
“ É preciso promover ações que e competitividade para a indústria brasileira.
contribuam para reduzir os custos de UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA
transporte e desenvolver programas DOS NEGÓCIOS ENTRE O BRASIL E A
de intercâmbio cultural mais CHINA
aprofundados na China, de modo a
trazer os brasileiros mais para perto Em 2004, durante a visita do presidente chinês Hu Jin-
tao ao Brasil, criou-se a Comissão Sino-Brasileira de Alto
dos chineses, ajudando-os a Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que se
compreender o espírito chinês de tornou a mais elevada instância das relações entre o Bra-
negociar e de fazer escolhas sil e a China, ressaltando o amadurecimento da parceria
estratégica bilateral no âmbito político. Reunindo, sob o
” seu guarda-chuva, uma série de subcomissōes e de grupos
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