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Desa os da Política Comercial


          Hoje, no Brasil, não se tem mais um cadastro de empre-  Inclusive, se a instituição do terceiro setor ou um pes-
          sas exportadoras e, sobretudo, de quais empresas estão  quisador quisessem exercer o seu direito constitucional
          adentrando na exportação. Há fatos curiosos com re-  de acesso a informações públicas de acordo com a Lei n
                                                                                                               o
          lação à venda externa de bens: em plena pandemia da  12.527/2011, mesmo expondo os motivos de que os da-
          Covid, em 2021, 5.268 empresas entraram na exporta-  dos seriam usados para formular ou avaliar uma políti-
          ção, sendo 2.504 oriundas do setor de comércio e 627,  ca pública, esse pedido seria negado em função da nova
          do de serviços (Santos e Pourchet, 2022). Logo, o que e  tese da Receita Federal de que dispor de informação so-
          como fazer, caso se tivesse de propor ações e atividades  bre empresa exportadora viola o sigilo  scal.
          para aumentar a proporção das vendas externas dessas
          empresas?                                           Vale lembrar que a incidência de imposto de exporta-
                                                              ção sobre produtos e serviços – apesar de prevista na
          Focar as ações em grupos de empresas para selecionar  Constituição Federal – na prática, hoje incide sobre
          produtos e mercados para serem objeto de prospecção  poucos produtos. Assim, se a interpretação da norma
          e promoção comercial será difícil. Se de um lado tem-se   legal se restringisse à exportação, pelo menos ter-se-ia
          alvos de bens e mercados fruto de acesso a informações   um conjunto de dados  dedignos para operar a PNCE.
          obtidas em diretórios internacionais e coletados pelas  Considerando que isso possa não vir a ocorrer, faz-se
          instituições multilaterais, de outro, essas informações  necessária uma mobilização dos atores e stakeholders da
          estratégicas não poderão ser direcionadas ou vinculadas   PNCE para solicitar a revisão das competências da Re-
          para as potenciais usuárias, visto que não se tem alvos de   ceita Federal no que tange à sua interpretação e gestão
          empresas exportadoras ou não exportadoras a se traba-  da política de informações econômico- scais.
          lhar.
                                                              Do exposto, para que a PNCE se torne de fato e de di-
          Ainda que na ocasião do lançamento da PNCE, que     reito uma política do Estado é preciso apenas mudar
          contou com a presença do ministro do MDIC e do vi-  a interpretação e a gestão da política de informações
          ce-presidente Geraldo Alckmim e, na ocasião, fossem  econômico- scais, inclusive até trazendo o IBGE e a
           rmados acordos de adesão de entidades civis para in-  legislação de dados atinentes a essa repartição federal
          centivar a execução da PNCE, há questões a serem con-  para a discussão. Procedendo dessa forma, teremos a
          sideradas em face da não existência de dados tais como:   CULTURA EXPORTADORA COMO POLÍTICA
          a) propor projetos; b) como aprová-los; c) como se fazer   DE ESTADO.
          análise ex ante e ex post do projeto para efeitos do TCU;
          e d) como obter recursos públicos e privados para execu-
          tar as ações da PNCE.                               BIBLIOGRAFIA

          Em outras palavras, como não se sabe qual o universo
          exportador de empresas de bens e serviços que atual-  BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial
          mente exportam, como propor uma política pública    para Assuntos Jurídicos. Decreto n. 11.593, de 10 de ju-
          com base em evidências estatísticas – algo recomendado   lho de 2023. Brasília, 2003.
          pelo TCU – e avaliar a e cácia, efetividade e e ciência   CORDEIRO, Mario; SANTOS, Daiane. Internacio-
          na execução dessa política de Estado? No passado, essa   nalizar o real é preciso, e possível. Negócios Internacio-
          informação era pública e aberta à sociedade civil, mas  nais em Foco, n. 1, Funcex, 2023.
          hoje, ela não é divulgada pelo governo federal em razão
          de a Secretaria da Receita Federal interpretar o disclosu-  SANTOS, Daiane; POURCHET, Henry. Base das
          re e a disponibilização dessa informação como violação   empresas exportadoras no Brasil – 1997-2021. Revista
          do sigilo  scal.                                    Brasileira do Comércio Exterior, n. 151, abr./ maio/jun.
                                                              2022.
          Em termos históricos, na época da ditadura todos os da-
          dos e informações sobre as empresas exportadoras eram   PINHEIRO, George. Desa os da promoção comercial no
          públicos, enquanto hoje, em pleno regime democrático,   Brasil no século XXI. Agência de notícias. Funcex. 2022.
          não se tem acesso à informação para formular uma pro-  Disponível em: https://funcex.org.br/info/rbce-151/
          posta de política de cultura exportadora com base em  desafios-da-promocao-comercial-as-exportacoes-no-
          evidências estatísticas. Então,  ca difícil ter uma política   -brasil-no-seculo-xxi.
          de estado em que um órgão do próprio Estado não dis-
          ponibiliza informação para a sociedade.

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