Page 63 - Edição 153 da RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior

RBCE - A revista da

Tendo em vista que há probabilidade de que ocorram no- Quando esses testes se tornarem rotina no Brasil, os ex-
vos surtos de Covid-19 na China, agora ou no próximo portadores nacionais poderão encaminhar certificados
ano, é licito analisar de forma prospectiva que medidas e fitossanitários em que constará a não presença de traços
ações devem ser tomadas pelo governo brasileiro em conso- de Covid em cada lote carne embarcada do Brasil para a
nância com os exportadores nacionais para lidar com os re- China. Ao se proceder dessa forma as autoridades chine-
quisitos fitossanitários impostos nas aduanas chinesas. Vale sas haverão de aceitar os cuidados tomados pelos exporta-
lembrar que durante a pandemia houve suspensão de com- dores nacionais com relação à sanidade e qualidade tanto
pras e embarques de carnes brasileiras para a China, o que do produto quanto das embalagens. Inclusive, caso as
causou perda de renda para o pecuarista nacional devido ao autoridades chinesas venham a discricionariamente ado-
longo período de tempo em que vigorou essa medida. tar outros procedimentos de testagem por não levar em
consideração os testes com base em biologia molecular, o
De fato, hoje, é o momento de se reeditar o processo de governo deverá levar e apresentar queixa na OMC contra
consulta e negociação pública e privada, realizado nos a China no âmbito do acordo de SPS.
anos 1980, de atender aos requisitos para a entrada de
carnes brasileiras na Europa, facilitada pela então Cota Considerando que incentivar inovações na área de bio-
Hilton para a União Europeia. Naquele tempo entrar logia molecular pode solucionar um problema localizado
no mercado europeu com cortes especiais e de preço pre- na cadeia de valor global de carne, da mesma forma po-
mium foi um “verdadeiro aprendizado de como expor- de-se usar o mesmo princípio para validar as futuras de-
tar” que, sem dúvida, credenciou os frigoríficos nacionais mandas de rastreabilidade que serão impostas pela União
a se expandir para o exterior, internacionalizar suas ativi- Europeia ao setor por causa de problemas associados ao
dades, fazendo que tanto eles quanto o Brasil se tornas- desmatamento florestal e sustentabilidade. Essas são duas
sem global players e traders – pois há presença da carne diretrizes em prol de uma missão orientada para inovação
brasileira nos quatro cantos do mundo. de processo tem como base um maior uso e difusão de
biologia molecular.
Hoje importa definir três diretrizes estratégicas a serem
perseguidas sob a égide de uma parceria público-privada. A terceira diretriz a ser perseguida num contexto de mis-
Todas elas têm como base alcançar um tipo de missão são orientada para inovação a ser desenvolvida de fora é
orientada para inovações de processo a serem usadas na construir carne animal sem o animal. Em sua essência, a
cadeia de valor de carnes. A primeira é identificar com carne é simplesmente uma coleção de células de vários ti-
clareza os métodos e procedimentos laboratoriais que os pos-chave (músculo e gordura são os mais pertinentes nos
chineses estão adotando para identificar traços e vestígios principais cortes de carne) dispostos em uma matriz de
do vírus Covid nos seguintes itens: a) no produto (carne tecido conjuntivo que contribui para a textura e estrutura
em si); b) na embalagem do produto; c) na caixa de pape- da carne. Graças a décadas de cultura de células animais
lão que acondiciona o produto; d) na fita adesiva que em- em pesquisa para aplicações biológicas e biomédicas bási-
bala o pallet; e e) no pallet em si (de madeira ou plástico). cas, existe uma riqueza de informações para o crescimento

de todos esses tipos de células e estruturas de tecidos in
Grosso modo, pode-se inferir que os chineses estão ado- vitro – fora do corpo de um animal.
tando procedimentos e testagem laboratorial com base
em biologia molecular. No Brasil, em função da Covid, O processo básico de produção de carne limpa envolve
há pesquisadores nos departamentos de biologia das uni- isolar um pequeno número de células de um animal do-
versidades federais e estaduais que têm conhecimento ador. Essa população inicial então se expande exponen-
de como fazer esses testes. No entanto esse processo não cialmente pela divisão celular natural. Vale ressaltar que a
pode ser feito em laboratório público ou privado creden- indústria de carne limpa ainda é relativamente incipiente,
ciado e com acesso aos reagentes para realizar as testagens embora a ideia de cultivar carne a partir de células não
visto que os estoques de reagentes existentes para serem é nova. O ponto é que hoje parece haver um consenso
usados para testes de biologia molecular no Brasil se des- global, pelo fato de haver ferramentas suficientes para se
tinam à saúde humana, e não à sanidade animal e de suas começar a buscar carne limpa de forma séria. Este é real-
embalagens. Estabelecer uma ação de missão orientada mente um momento crucial para o nosso sistema alimen-
para inovação de testes a serem desenvolvidos nas univer- tar, e os fundamentos e princípios da bioquímica estão
sidades e rapidamente transferidos para o setor privado subjacentes a esses métodos de mudança de paradigma.
– inclusive os desenhos dos laboratórios com as respecti- Apoiar essa missão orientada para inovação propicia uma
vas especificações de máquinas e equipamentos – é algo lenta e gradual transição climática da pecuária.
possível de ser realizado no bojo de ações da Embrapa.

Nº 153 - Outubro, Novembro e Dezembro de 2022 59