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Acordos e Política Comerciais
Mas a pergunta que se lança aqui é se, além de delagrar ajuda vinculados aos cronogramas de implementação
os investimentos necessários em infraestrutura, criar dos processos de liberalização.
as condições para uma taxa de juros mais adequada ao
investimento e reformar o bizantino sistema tributário, Para que os programas sejam de assistência a ajustes e
haveria espaço para um programa de ajustes ao comér- não de resistência a ajustes, deveriam estar dirigidos
cio, que auxiliasse os setores mais afetados a serem bem- aos investimentos em modernização, inovação e desen-
sucedidos na transição? volvimento tecnológico, sendo também conjugados
aos programas de treinamento e qualiicação, não para
Como se viu na exposição acima, enquanto alguns dos uma mudança dos trabalhadores de setor, mas para
programas existentes focalizam a assistência nos tra- permitir a elevação da produtividade no setor desaia-
balhadores, seja prolongando o seguro desemprego, do. Os critérios de qualiicação, nessa concepção, não
seja buscando mecanismos de retreinamento e rein- deveriam estar associados aos prejuízos incorridos com
serção para aqueles afetados pela concorrência exter- o processo de liberalização comercial, mas à capacida-
na, outros procuram dar sustentação diretamente às de das irmas candidatas de conduzirem processos de
irmas mais prejudicadas, no setor industrial, ou no modernização, privilegiando as mais produtivas e com
agrícola. As duas dimensões podem ser consideradas maior probabilidade de enfrentamento das novas con-
importantes nos processos de ajustes ao comércio. A dições de concorrência. Seria preciso, porém, evitar di-
opção de apoio apenas aos trabalhadores parte da con- rigir a assistência a projetos e irmas que possam obter
cepção de que as irmas com deiciências de competi- os recursos no mercado, dirigindo os esforços aos pro-
tividade no novo contexto devem mesmo desaparecer jetos de risco de difícil atendimento pelo mercado e/ou
e que é por esse mecanismo que a abertura comercial empresas com bom potencial, mas de acesso limitado
gerará seus efeitos de realocação de recursos na eco- ao crédito, por exemplo. De toda forma, seria impor-
nomia em direção a atividades mais eicientes. A assis- tante o estabelecimento de limites temporais, metas
tência a ajustes ao comércio se dirigiria então a ajudar objetivas a alcançar e mecanismos eicazes de monito-
os trabalhadores das irmas e setores em extinção a ramento do progresso, a im de evitar que a assistência
migrarem para outras irmas e setores. O grau em que se torne o fator determinante da competitividade das
essa adaptação pode ser feita, porém, é limitado, so- irmas assistidas. A temporalidade não precisaria estar
bretudo se considerarmos que uma mudança para se- associada aos cronogramas de desgravação, mas ao tipo
tores completamente distintos, exigiria programas de de projeto assistido (investimento em maquinaria, de-
formação de longa duração. Além disso, a concepção senvolvimento de produto, etc.).
de programas de ajustes limitado ao treinamento de
trabalhadores pode não ser apropriada se a velocidade Seria preciso discutir também qual o tipo de instrumen-
ou intensidade do impacto da competição gerada pelo to mais apropriado. Instrumentos que incluam o com-
acordo for muito forte, levando ao desaparecimento prometimento da irma assistida com os resultados e a
de irmas com bom potencial a largo prazo ou de seto- corresponsabilidade na mobilização de recursos, como
res cuja manutenção seja importante para a dinâmica o inanciamento parcial pelo Banco Nacional de Desen-
da economia. volvimento Econômico e Social (BNDES), pareceriam
mais adequados, além de reforçar o processo seletivo das
Não haveria sentido, porém, investir em programas irmas mais dinâmicas. Estariam também em maior sin-
que se dirigissem a prolongar a vida de irmas inviáveis tonia com a situação do horizonte visível de diiculdades
na nova situação, caso em que o programa não seria de iscais. Em alguns casos de projetos de maior risco, mas
assistência a ajustes ao comércio, mas de resistência a boa remuneração social, porém, como na área do desen-
ajustes ao comércio. Nesse caso, alguns dos programas volvimento tecnológico, assim como na área da capaci-
mencionados na resenha acima parecem atender mais tação de trabalhadores, pareceria justiicada a utilização
a um imperativo político de reduzir a resistência aos de fundos de origem iscal e incentivos iscais.
acordos comerciais, com uma promessa de subsídios às
irmas que serão afetadas, do que ao objetivo de facili- Finalmente, ou talvez esse devesse ser o ponto inicial, se-
tar a transição a uma nova situação competitiva. Para ria preciso deinir o escopo do programa. Como mencio-
limitar os impactos negativos de programas com essas nado acima, o programa não deveria ser limitado às irmas
características, o que vemos é o estabelecimento de ou setores que demonstrassem prejuízo com o processo
critérios de qualiicação à ajuda restritivos, e/ou o es- de liberalização comercial de um acordo, mas agir pre-
tabelecimento de prazos máximos de recebimento da ventiva e ativamente na preparação de novas condições.
66 Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016