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RBCE - A revista da
e UE, o sistema multilateral de comércio consolidado
na OMC continuou a ser o conjunto central de regras
do regime do comércio internacional. No campo do
comércio de serviços, embora em geral mais amplo em
escopo do que os compromissos registrados no Acordo
Geral sobre o Comércio de Serviços (General Agree-
ment on Trade in Services – GATS), os novos acordos
seguem sendo, principalmente, exercícios de consoli-
dação do status quo, sem negociação de liberalização
signiicativa.
No campo do comércio de bens, porém, notadamente
no que se refere às restrições tarifárias, o avanço dos pro-
cessos de liberalização nos acordos preferenciais contras-
ta lagrantemente com a paralisia nesse campo na OMC
após 2008, decorrente do impasse nas negociações da
Rodada Doha. Como consequência, tem havido um
deslocamento crescente de eixo no regime do comércio
internacional na direção dos acordos preferenciais. O
acordos de livre comércio, a im de assegurar que acor- deslocamento é tão expressivo em relação ao comércio
dos negociados por terceiros não implicassem perda de de bens que se poderia falar hoje de um “multilatera-
competitividade e condições de acesso e, assim, levas- lismo multipreferencial” em que, sob o pano de fundo
sem a deslocamentos de elos das cadeias de produção de um conjunto mais ou menos uniforme de regras, os
da região. Ao mesmo tempo, o abandono das políticas luxos de comércio crescentemente se dão sob regimes
de substituição de importação na maioria da América preferenciais múltiplos, 2 com um mesmo exportador
Latina sob a crise da dívida nos anos 1980, impulsionou realizando vendas sob diferentes regimes, 3 conforme o
algumas das economias médias da região a uma trajetó- número de acordos preferenciais que seu país tenha assi-
ria de especialização baseada em recursos naturais e ne- nado e colocado em vigor.
gociação de numerosos acordos de livre comércio.
Os processos de liberalização preferencial do comércio
Apesar das inovações dos acordos preferenciais no de bens, nesse quadro em que se mantém o arcabou-
campo normativo, a partir do Nata, e da incerteza ço normativo multilateral, se fazem segundo as regras
quanto ao destino que terão acordos ou negociações consubstanciadas no artigo XXIV do GATT e tomam
como o Parceria Transpacíico (Transpaciic Partner- a forma ora de acordo de livre comércio, ora de união
ship Agreement –TPP), o Acordo de Livre Comércio aduaneira, com a eliminação em todos os casos das bar-
Canadá-UE (Comprehensive Economic and Trade reiras ao comércio de substantially all trade entre os pa-
Agreement – Ceta) e o Transatlantic Trade and In- íses envolvidos. Como uniões aduaneiras são de cons-
vestment Partnership Agreement (TTIP) entre EUA tituição e gestão bem mais complexa, os acordos prefe-
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1 Existem, hoje, 270, acordos preferenciais (Regional Trade Agreements) notiicados à OMC em vigor. Destes, 137 cobrem bens e servi-
ços, 132 apenas bens e um apenas serviços. (http://rtais.wto.org/UI/publicsummarytable.aspx, consultado em 4/12/2016). Na base de
dados da OMC, entre os acordos em vigor, apenas 24 entraram em vigor antes de 1/1/1990 e apenas 77 antes de 1/1/2000 (adição de
53 na década de 1990 e 193 desde então). (http://rtais.wto.org/UI/PublicPreDefRepByEIF.aspx, consultado em 4/12/2016). O número de acor-
dos notiicados à OMC é bem maior e gira em torno de 460. (https://www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm, consultado em
4/12/2016).
2 De acordo com os dados mais recentes da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em 2014, o
comércio realizado sob condições preferenciais já respondia por 50% do total de comércio mundial. Ver: Unctad, Key Statistics and Trends
in Trade Policy – 2015. (http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/ditctab2015d2_en.pdf), consultado em: 4/12/2016.
3 Recorde-se que, mesmo quando esses diferentes regimes são de livre comércio e, portanto, os luxos não enfrentam tarifas de importação,
as regras de origem para poder aproveitar as preferências variam bastante e poucas vezes são cumulativas entre diferentes acordos.
Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 57