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RBCE - A revista da
distintos. O Brexit foi uma decisão de cunho eminen-
temente nacionalista – anti-imigração e em defesa da “
autonomia na formulação de políticas –, mas não tem a Qualquer tentativa de analisar os impactos da
componente de protecionismo comercial, que tanto ca- eleição de Trump sobre o comércio exterior
racteriza as propostas de Trump. Do ponto de vista do ou sobre a agenda de negociações comerciais
contexto da regulação do comércio internacional, toda- do Brasil é temerária, dado o altíssimo grau de
via, os dois são manifestações contra o excesso de regula- incertezas que ronda as orientações da
ção supranacional que dominou a expansão das agendas política comercial que o presidente eleito irá,
temáticas dos acordos comerciais de nova geração. de fato, implementar
“
O Brexit e seus impactos sobre as negociações
Mercosul-UE e sobre as relações RU-Brasil oscilou entre 3% e 4% nos últimos anos. Os países com
os quais o RU tem relações mais expressivas não são par-
No curto prazo, a decisão de saída do RU da UE tem im- ceiros comerciais relevantes do Brasil.
pactos sistêmicos na economia global, aumentando as
dúvidas sobre a capacidade de recuperação da atividade Assim, os efeitos negativos do Brexit para o Brasil deve-
econômica na Europa e sobre o futuro do já abalado sis- rão vir mais do aumento de incertezas que a decisão tem
tema bancário europeu. Em relação ao comércio, o Brexit sobre a governança do comércio e da economia mundial
traz um amplo conjunto de interrogantes, que, embora não e do maior grau de diiculdade para negociar um acordo
tenham efeito prático imediato, afetam não apenas as rela- entre Mercosul e UE do que dos impactos econômicos
ções comerciais bilaterais de todos os países com o RU, mas diretos sobre comércio e IED.
também as perspectivas para a política comercial da UE.
A paralisação do TTIP, que vinha consumindo esforços
Saindo do bloco europeu, o RU deverá negociar com seus e capacidade negociadora da UE, poderia servir de estí-
pares na OMC novos compromissos e parâmetros para a sua mulo a um maior empenho do bloco europeu nas nego-
política comercial, que vão da nova estrutura tarifária que o ciações com o Mercosul por duas ordens de fatores: (i)
país adotará às quotas para produtos agrícolas, teto para a parte da capacidade negociadora da Comissão Europeia
concessão de subsídios para agricultores e condições de aces- estará liberada; e (ii) ofertas de acesso ao mercado agrí-
so estrangeiro ao seu mercado de serviços, entre outros. cola comum europeu para os EUA não mais serão man-
tidas, o que abre maior espaço para ofertas ao Mercosul.
Em relação às negociações em curso entre Mercosul e
UE, a saída do RU do bloco europeu tem dois impactos Possibilidades concretas de avanços nessa direção, toda-
importantes e negativos. Em primeiro lugar, a decisão via, somente serão observadas após as eleições na França
traz consigo uma pesada agenda negociadora para a UE, e na Alemanha em 2017, países-chave para essas nego-
desviando os recursos e a atenção de outras frentes ne- ciações em um contexto de Brexit.
gociadoras do bloco. O Mercosul, que já não estava no
topo das prioridades europeias, deve perder atenção. Em prazo mais longo, o Brasil (ou o Mercosul) pode-
rá buscar a negociação de um acordo de livre comércio
Em segundo lugar, o RU é um dos principais promoto- com o RU. Entretanto, terá de esperar alguns anos até
res do acordo preferencial entre os dois blocos. O país que essas negociações possam ter início.
tem interesses econômicos relevantes no Mercosul e é
crítico da política agrícola e do protecionismo europeu.
Com o Brexit, a negociação agrícola poderá tornar-se Os impactos de Trump sobre a agenda de
ainda mais difícil no acordo Mercosul-UE e a coalizão negociações comerciais do Brasil
de países contrários às negociações ganhará peso.
Qualquer tentativa de analisar os impactos da eleição de
A participação individual do RU no comércio exterior Trump sobre o comércio exterior ou sobre a agenda de
brasileiro não é muito elevada. Em 2015, 1,27% das ex- negociações comerciais do Brasil é temerária, dado o al-
portações brasileiras teve o país como destino e 2,2% das tíssimo grau de incertezas que envolvem as orientações
importações o tiveram como origem. O RU responde da política comercial que o presidente eleito irá, de fato,
por 8,6% das exportações brasileiras para a UE e 7,6% implementar. Por outro lado, é pouco provável que os
das importações provenientes do bloco. Em termos de primeiros dias do novo governo sejam muito esclarece-
IED no Brasil, a participação do país nos luxos anuais dores. Portanto, a incerteza deve ser um elemento dura-
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