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Acordos e Política Comerciais




          compelida a fazê-lo para desencorajar outros membros  de boa vontade de todos os envolvidos (RU, UE-27 e os
          que por ventura estejam lertando com um processo se-  outros 18 países membros do GPA) são enormes.
          melhante. Nesse caso, o RU poderia encontrar-se daqui
          a dois anos no cenário MFN, o pior dentre os modelos
          possíveis para as suas relações com o bloco europeu e  A negociação de acordos com países que
          para as projeções sobre seu desempenho econômico.   atualmente têm ALCs com a UE
                                                              Durante a campanha pelo Brexit, alguns de seus defen-
          A redeinição dos compromissos na OMC                sores argumentaram que pela Convenção de Viena sobre
                                                              a Lei dos Tratados, de 1969, mesmo com sua retirada do
          Após o Brexit, o RU deverá também renegociar seu status   bloco, a RU ainda teria direito a manter os ALCs nego-
          como membro da OMC. Embora muitos dos que defen-    ciados pelo bloco com terceiros países. Mas como airma
          deram a saída do país do bloco europeu advogassem que   Grant (2016), isso não funciona: no dia que o RU sair da
          isso não seria necessário, uma vez que o país já é membro   UE, os ALCs em vigor deixam de aplicar-se ao país.
          da OMC, o fato é que a maior parte dos compromissos
          do RU na organização foi assumida por meio da sua as-  De acordo com o autor, atualmente há 53 países nes-
          sociação à UE e terá de ser renegociada e aprovada pelos   sa situação. É possível que a grande maioria deles tenha
          163 demais membros atuais da organização. É bom lem-  boa vontade em negociar bilateralmente com o RU con-
          brar que o processo decisório na OMC envolve consenso.  dições semelhantes às que o país gozava sendo membro
                                                              da UE. Entretanto, legalmente o país não pode iniciar
          Ainda que o RU possa tomar a decisão de manter seus  negociações com outras partes antes de retirar-se for-
          compromissos (tarifas, barreiras não tarifárias etc.) nos  malmente da UE. Portanto, essas conversações podem
          mesmos níveis acordados pela UE na OMC, essas nego-  começar apenas em bases informais.
          ciações envolverão algumas questões de elevada sensibili-
          dade. Por exemplo, os compromissos relativos ao limite  É provável que esses países tenham interesse e menores re-
          de gastos com subsídios agrícolas que distorcem o co-  sistências em iniciar conversações com o RU antes que os
          mércio foram assumidos pela UE para o conjunto de seus   procedimentos do Artigo 50 tenham sido completados,
          membros na OMC. Com a saída do RU, será necessário   porque eles não enfrentam tensões semelhantes às que
          deinir quanto caberá ao bloco e que montante caberá ao   dominam os demais membros da UE em relação a esse
          país. Como notam Rollo e Winters (2016), isso requer  processo. Além disso, esses países provavelmente desejarão
          negociações muito complexas, envolvendo outros mem-  manter suas condições de acesso preferencial ao mercado
          bros que poderão ter interesse em participar da discussão   britânico e, portanto, poderão facilitar os entendimentos.
          sobre como o montante total de subsídios será dividido  As exportações do RU para os países que hoje têm ALCs
          entre a UE e o RU, dados os impactos distorcivos destes  com a UE são relevantes para o país: 14% das suas expor-
          sobre o comércio. A distribuição das quotas e quotas tari-  tações, sendo que as tarifas de MFN que enfrentaria caso
          fárias também deverá seguir curso parecido.         perdesse o acesso preferencial aos mercados dos parceiros
                                                              seriam relativamente elevadas: cerca de 5% em Israel, 30%
          Há ainda que deinir a participação do RU nos acordos   no Egito e 17% na Coreia do Sul (Rollo e Winters, 2016).
          plurilaterais em vigência sob a égide da OMC, como é
          o caso do Acordo de Compras Governamentais (GPA,  O mesmo vale para o comércio de serviços. A maioria
          na sigla em inglês) e o Acordo de Informática e Teleco-  desses países fez concessões muito mais profundas nos
          municações (ITA, na sigla em inglês). No caso do GPA,   acordos preferenciais do que os compromissos que ha-
          o mercado de compras governamentais de seus 43 mem-  viam assumido no GATS. Isso é particularmente verda-
          bros representa US$ 1,3 trilhão, segundo dados da Co-  deiro para a Coreia do Sul, mas também se aplica a países
          missão Europeia. Se o RU se retirar da UE sem negociar  em desenvolvimento como o Chile, o  Peru e a Colômbia.
          sua adesão ao GPA, perde acesso a esse mercado. Entre-  Renegociar bilateralmente esses acordos envolverá com-
          tanto, o Brexit também signiica que os termos da oferta   plexidades, uma vez que podem aparecer, nesses países,
          feita pela UE no GPA serão alterados, dada a relevante   lobbies protecionistas internos buscando recuperar bar-
          participação do RU como comprador nesse mercado.    reiras à entrada de produtos e serviços britânicos nos
          Os demais membros do acordo poderão vir a demandar   mercados domésticos. Entretanto, o desaio parece me-
          da UE uma revisão dos seus compromissos para reequi-  nor do que os que estão presentes nas negociações com
          librar o intercâmbio de concessões. Como concluem   a própria UE ou mesmo na OMC.
          Rollo e Winters (2016), a complexidade e a demanda

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