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Acordos e Política Comerciais
A política comercial brasileira em
tempos de Brexit e Trump: há espaço
para negociações comerciais?
Sandra Polónia Rios e Pedro da Motta Veiga
são diretores do Centro de Estudos de Integração e
Sandra Polónia Rios Pedro da Motta Veiga Desenvolvimento – Cindes
Em 2016, o referendo no Reino Unido (RU) e as eleições presidenciais nos Estados Unidos (EUA) resultaram em
duas decisões capazes de abalar, nos próximos anos, o já combalido desempenho do comércio mundial. O mundo
recebeu com perplexidade a decisão pelo Brexit – a saída do RU da União Europeia (UE), em 23 de junho de 2016:
a libra esterlina desvalorizou-se, as bolsas de valores caíram, previsões catastróicas sobre os impactos econômicos da
decisão surgiram de várias fontes. Perplexidade também foi o estado de espírito que dominou a maioria dos analistas
na madrugada do dia 9 de novembro, quando icou claro que Donald Trump havia sido eleito presidente dos EUA.
Novamente, as bolsas caíram e os mercados cambiais oscilaram.
Os dois eventos vieram dar maior concretude às preocupações que já dominavam o cenário internacional, com as
narrativas nacionalistas/protecionistas que vinham ganhando terreno nos países desenvolvidos nos últimos anos.
O relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre medidas comerciais do Grupo dos 20 (G20),
divulgado em novembro de 2016 (WTO-OMC, 2016) indica que, apesar da retórica, ainda não se registrou um
aumento no número de medidas protecionistas adotadas pelos países do grupo. Na verdade, no período coberto
pelo relatório (maio-outubro), o número de medidas foi um pouco menor que o registrado no relatório anterior,
retornando à média observada desde 2009, quando esse acompanhamento teve início.
Os efeitos mais imediatos que o Brexit e a eleição de Donald Trump trazem para o comércio internacional são o
aumento das incertezas quanto às agendas e as implicações dessas decisões para o ambiente de formulação de po-
líticas comerciais. Apesar das retóricas nacionalistas no primeiro caso e protecionistas no segundo, o que parece
icar claro no período que se segue aos dois eventos é que, em nenhum dos dois casos, as lideranças têm um plano
de voo sobre como implementar suas promessas de campanha. No caso do Brexit, passados cinco meses da decisão
de junho, ainda não se sabe quando e como as negociações para a saída do RU da UE terão início efetivo. No caso
de Trump, as promessas de campanha incluem mudanças profundas na política comercial norte-americana, mas há
muitas dúvidas sobre a viabilidade política – não apenas econômica – da sua implementação.
De todo modo, não se pode ignorar que os dois eventos resultam da difusão, entre políticos e organizações da so-
ciedade civil, de visões críticas ao comércio e, mais ainda, aos acordos comerciais. Essas críticas reletem percepções
nos países desenvolvidos de que os benefícios da globalização foram mal distribuídos, tendo sido capturados por
poucos, e dirigem-se, entre outros, a acordos comerciais com temáticas abrangentes, que reduzem a autonomia dos
governos para a implementação de políticas públicas.
40 Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016