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Câmbio no Brasil
Intui-se de forma habitual que a taxa de câmbio flutu- A excessiva liquidez internacional proporcionada pe-
ante numa economia de mercado deveria ser formada las políticas de afrouxamento monetário (quantitati-
principalmente por meio dos fluxos de entrada (oferta) ve easing) dos países desenvolvidos, combinada com a
e de saída (demanda) de dólares de nossa economia. Os acentuada assimetria de taxas de juros interna e externa,
fluxos do mercado à vista, ou seja, da economia real são estando os juros lá fora próximos a zero, e aqui dentro
constituídos da oferta e da demanda dos pagamentos de ainda em níveis extremamente atrativos de dois dígitos,
exportações, importações, operações de turismo, servi- tem induzido os agentes econômicos a praticarem em
ços, royalties, rendas, juros, dividendos etc. Ao resulta- larga escala a chamada operação de arbitragem de juros,
do liquido de todas essas contas dá-se o nome de saldo que muitos investidores externos realizam visando à
de transações correntes, e que nos últimos 10 anos, no captura de um lucro entre a diferença de juros e, eventu-
Brasil, tem sido deficitário, ou seja, se dependêssemos almente, de taxa de câmbio entre os mercados brasileiro
exclusivamente deste segmento do mercado de câmbio, e internacional.
o real ter-se-ia desvalorizado ao longo de todo o perío- Registra-se atualmente uma característica singular do
do, ao contrário do que se observou nos últimos anos. mercado cambial brasileiro que é a expressiva diferença
Ainda no dito mercado à vista de câmbio, deveriam ser entre os valores transacionados nos mercados de câmbio
somadas as operações de investimento estrangeiro na à vista e de câmbio futuro – em média nos últimos três
economia brasileira, que são dirigidas a investimento anos no Brasil, o mercado futuro de câmbio superou em
direto no setor produtivo, ou a títulos mobiliários de mais de quatro vezes as operações do mercado à vista.
renda variável, como ações na Bovespa, ou de renda fixa Nas principais economias do mundo, segundo o Banco
no mercado financeiro nacional, rendendo juros ao in- de Compensações Internacionais (Bank for International
vestidor externo. Settlements - BIS), as transações no mercado à vista supe-
Na teoria econômica clássica podemos encontrar uma ram amplamente as do mercado de derivativos.
sequência de modelos de crises cambiais que procuram A inexistência da conversibilidade da moeda para os
explicar os movimentos cíclicos de variação dos preços residentes no Brasil está por detrás da assimetria regu-
das moedas internacionais e os fatores de controle e de latória entre os segmentos à vista e o de derivativos do
estabilização cambial que poderiam ser utilizados para mercado de câmbio brasileiro. Enquanto no mercado
superação das crises. Com o advento da desregulamen- à vista atuam apenas os bancos autorizados pelo BC,
tação financeira internacional a partir dos anos 1990 e a cumprindo ordens de compra ou venda à vista de moeda
enorme expansão do mercado internacional de câmbio, estrangeira em nome próprio ou de terceiros clientes, no
as teorias tradicionais sobre taxa de câmbio tornaram- mercado futuro de câmbio seu caráter non-deliverable per-
se rapidamente obsoletas e atualmente são incapazes de mite a todos os agentes participantes a movimentação
retratar o cenário real deste mercado. A recente evolu- livre de posições em moeda estrangeira. Essa assimetria
ção das teorias de taxa de câmbio indica o reconhecido determinou ao longo do tempo uma hipertrofia do mer-
fracasso do paradigma do agente racional como fator cado futuro de câmbio no Brasil, o qual passou a ter pa-
preponderante dos modelos cambiais. Na busca de uma pel preponderante na formação da taxa de câmbio do
eficiência preditiva e de uma influência estabilizadora, real, reforçado ainda por outras duas condicionantes
os agentes econômicos têm enfrentado crescentes difi- combinadas, quais sejam: o elevado diferencial entre as
culdades em coletar e processar as complexas informa- taxas de juros interna e externa e o acesso ilimitado dos
ções on-line com que são confrontados na atualidade, investidores estrangeiros às operações com derivativos
tendo como consequência um mercado ineficiente onde cambiais. A esta operação especulativa de arbitragem do
o deslocamento entre a taxa de câmbio e os fundamen- diferencial de taxas de juros e de câmbio dá-se o nome
tos de determinada economia é cada vez mais frequente. de carry trade, e, por causa de sua lucratividade relativa
Predomina hoje em dia neste cenário evolutivo a forma- no Brasil, assumiu proporções gigantescas de dezenas de
ção da taxa de câmbio por fatores especulativos deter- bilhões de dólares por dia!
minados por produtos derivativos transacionados em Tal fenômeno no Brasil se explica não somente pela alta
larga escala no mercado futuro e com pouca aderência lucratividade, mas também pelo baixo risco relativo que
ao fluxo de moedas no mercado à vista das transações a operação de carry trade oferece a seus investidores,
correntes. Ao revés percebe-se cada vez mais a transmis- na qual eles assumem uma posição ativa em uma moe-
são das tendências de taxa de câmbio do mercado futuro da cujos juros estão elevados (moeda de investimento)
para o mercado à vista, na qual se transaciona o fluxo de
compra e venda de posições cambiais da economia real. Nº 128 - Julho/Agosto/Setembro de 2016
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