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RBCE - A revista da
rompem-se elos da cadeia produtiva que são de difícil
reconstituição a posteriori, e aumenta a defasagem tec-
nológica da indústria gradualmente desconectada de
muitos mercados no exterior. Isto basta para imaginar-
mos o tamanho do prejuízo econômico a curto, médio,
e longo prazo.
USO DO CÂMBIO COMO
INSTRUMENTO DE COMBATE À
INFLAÇÃO
A indústria brasileira nos últimos anos tem enfrentado A usual condescendência das autoridades monetárias
uma crescente crise sistêmica de competitividade que brasileiras com a questão da recorrente e prolongada
transcende meramente a questão cambial e tem raízes apreciação cambial se explica também pelo uso conve-
estruturais em uma série de deficiências públicas e priva- niente da taxa cambial apreciada para dar combate à
das que precisam ser corrigidas com perseverança, cria- inflação. Primeiramente gostaria de argumentar contra
tividade e ousadia. Cabe, porém, destacar que a variável o grave equívoco da utilização do câmbio valorizado
cambial é a variável-chave da equação competitiva da como instrumento de combate a inflação. Trata-se de
indústria brasileira, e sem uma política cambial que as- mecanismo claramente ineficaz, pois além do alto cus-
segure estabilidade e competitividade, não será possível to econômico e social resultante de seus efeitos sobre
obter um resultado favorável em nenhuma hipótese. o nível de produção doméstica e de emprego, ele não
O câmbio sobrevalorizado, já faz algum tempo, vem atinge o cerne da pressão inflacionária, que reside nos
causando um forte efeito deletério na economia brasi- inúmeros preços ainda indexados e nos preços do setor
leira. As exportações se tornam mais caras em dólares de serviços. As medidas mais eficazes seriam aquelas
e não conseguem competir com a oferta de fornecedo- macroprudenciais, de contenção do crédito, de redução
res externos – os importadores de produtos brasileiros do gasto público, e da integral desindexação de preços
passam a optar pelos produtos similares mais baratos de públicos e salários, entre outras. Além disso, o Brasil se
países concorrentes, principalmente asiáticos, cujas res- destaca por permitir a ocorrência de uma enorme ins-
pectivas taxas de câmbio diferentemente da brasileira, tabilidade cambial e, portanto, dos preços relativos de
têm observado um comportamento mais competitivo tradables versus non tradables e da relação câmbio versus
em relação ao dólar. Já as importações, mais baratas, salário (margem de lucro dos tradables).
competem com o produto nacional em seu próprio mer- Recentemente observei num artigo publicado no jornal O
cado interno, substituindo os fornecedores brasileiros Estado de S. Paulo pela economista Zeina Latif o seguin-
na cadeia produtiva da própria indústria nacional. Desta te questionamento: “O que é mais favorável para a volta
forma milhões de empregos que poderiam estar sendo cíclica da economia, uma apreciação cambial que ajude o
criados no país são transferidos para as economias de Banco Central na tarefa de domar a inflação e assim cor-
países concorrentes, bilhões de dólares de investimento tar a taxa de juros ou uma depreciação que ajude o setor
direto que poderiam estar expandindo e aprimorando a externo e a substituição de importações da indústria?”.
capacidade industrial brasileira são dirigidos aos países A indagação sem dúvida é extremamente pertinente, mas
competidores, os consumidores aqui e lá fora apagam a sua resposta carece de embasamento técnico para ser con-
memória e o hábito de consumo do produto brasileiro, sistente. Sua posição é de absoluto apoio a uma apreciação
da moeda como forma de acelerar e abreviar a queda da
Nº 128 - Julho/Agosto/Setembro de 2016 taxa de inflação, e consequentemente da taxa de juros e,
desta forma, introduzir um maior nível de confiança na
economia brasileira. O que não se observa em sua anali-
se é o efeito perverso desta apreciação cambial sobre o já
abalado setor produtivo brasileiro, especialmente sobre a
indústria de transformação e sobre setores produtivos de
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