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RBCE - A revista da
Talvez essa carta tenha inspirado o presidente e sua equi- porque muito do que precisaria ser feito dependia de
pe a contratar o renomado consultor Vicente Falconi ações coordenadas com o Ministério da Fazenda, que não
para elaborar às pressas um plano de exportações que demonstrava nenhum empenho em levá-lo adiante, tal-
condensou várias dessas ideias em debate e, por m, suge- vez por ter sido keynesiano demais.
riu a estrutura matricial de setores e funções que formaria
a ferramenta de trabalho conhecida como Plano Especial Foi quando, depois de várias reuniões com o ministro
de Exportações, lançado com a meta de US$ 100 bilhões Alcides Tápias e o embaixador José Botafogo, então ocu-
para o nal de seu mandato, em 2002. pando a secretaria executiva da Camex, num certo dia
de fevereiro de 2000, atendi um telefonema do primei-
Dentro da equipe econômica do governo FHC havia dois ro dizendo que o presidente FHC havia concordado em
grupos distintos de pensamento econômico: o grupo cha- apoiar o MDIC e a Camex na execução do PEE, mas que
mado de monetaristas ortodoxos, integrado pelos ocu- havia uma condição: que eu assumisse a Camex no lugar
pantes do ministério da Fazenda e do Banco Central do do embaixador Botafogo, que na sua trajetória diplomá-
Brasil, e o grupo de desenvolvimentistas, mais disperso e tica seguiria logo mais para ocupar uma embaixada no
menos poderoso, liderado pelo ministro José Serra, e tam- exterior. Pedi um tempo para pensar e percebi que não
bém pelos ministros Clóvis Carvalho, Luiz Carlos Men- poderia recusar aquele convite. Era o momento de fazer
donça de Barros e o presidente do BNDES, André Lara um sacrifício pessoal e pro ssional, arregaçar as mangas e
Resende. Os embates foram permanentes, e por vezes um mergulhar fundo naquela função que eu considerava es-
grupo predominava sobre o outro, mas devemos admitir, tratégica para a economia nacional.
à luz da experiência vivida, que houve muita morosidade
nos processos decisórios, quando não absoluta inércia no Depois de dois anos e quatro meses à frente da Camex,
desempenho de certos objetivos governamentais. creio que chegou a hora de revelar alguns dos principais
momentos daquela fase de minha vida em que estive en-
O Ministério da Fazenda e a Secretaria da Receita Federal volvido diretamente em vários episódios importantes da
eram uma verdadeira fortaleza diante de outros ministérios. economia brasileira. Certamente, vejo hoje que eu teria
Enquanto o ministro Pedro Malan e sua equipe permanece- me arrependido se não houvesse aceitado o convite do
ram intactos nos oito anos de mandato do presidente FHC, presidente FHC e do ministro Tápias, mas também devo
no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio admitir que eu poderia ter feito muito mais se tivesse tido
Exterior (MDIC) e na Camex a média de sobrevivência de maior apoio de outros integrantes do governo FHC e do
seus titulares era de pouco mais de um ano, diante do inevi- próprio presidente. O ânimo exportador da classe em-
tável desgaste das relações interministeriais naquele período. presarial havia sido recuperado, mas não o su ciente para
cumprir a meta desejável que havíamos estabelecido. A
Foi no meio de um desses imbróglios de disputa ministe- meta de R$ 100 bilhões em exportações em 2002 cou
rial que, de repente, eu me vi envolvido num dos maiores longe de ser atingida, foi minha maior frustração, deixei-a
desa os de minha carreira pro ssional. uando o execu- para os sucessores. Hoje sabemos que ocorreram inúmeros
tivo Alcides Tápias foi convidado pelo presidente FHC fatores imponderáveis que impediram seu cumprimento,
para assumir o MDIC, eu quei entusiasmado. Teríamos como a crise argentina de 2000-2001, a crise do ataque ter-
um interlocutor muito quali cado e muito experiente rorista nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, e
para executar o Plano Especial de Exportações – PEE –, a crise do apagão de energia elétrica no Brasil. Mas esses são
bem idealizado e concebido, mas ainda inerte no papel, temas que trataremos em outros capítulos, mais adiante.
MINISTROS DA FAZENDA E DO DESENVOLVIMENTO E SECRETÁRIOS DA
RECEITA FEDERAL E DA CAMEX DURANTE O GOVERNO FHC
Ministros da Fazenda Secretários da Receita Federal Ministros do Desenvolvimento Secretários Executivos da Camex
(MICTT e MDIC)
Dorothea Fonseca Werneck (1995-1996) Sérgio Amaral (1995)
Francisco Neves Dornelles (1996-1998) José Tavarez de Araújo (1995-1996)
José Botafogo Gonçalves (1998) José Frederico Alvarez (1996-1998)
Pedro Malan (1995-2002) Everaldo Maciel (1995-2002)
Celso Lafer (1999) José Roberto Mendonça de Barros (1998)
Clóvis de Barros Carvalho (1999) José Botafogo Gonçalves (1999-2000)
Alcides Tápias (1999-2001)
Roberto Giannetti da Fonseca (2000-2002)
Sérgio Amaral (2001-2002)
Nº 156 - Julho, Agosto e Setembro de 2023 15