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Momento Histórico


          um programa de ajuda de US$ 40 bilhões aos países mais  foi feito para adiar a crise anunciada, mas o presidente e
          afetados, a  m de amenizar as consequências da crise  -  sua equipe econômica  ngiam ignorar os alertas, que vi-
          nanceira asiática.                                  nham de muitas partes.
          A  crise  foi  intensamente  analisada  por  economistas  das  Em agosto de 1998, eu ousei escrever mais uma carta ao
          mais variadas escolas de pensamento econômico, em ra-  presidente, revelando minha opinião sobre a débil situa-
          zão de sua amplitude, velocidade e dinamismo. A grande  ção  da  economia  brasileira  e  a  premência  de  realizar  vi-
          lição  que   cou  é  que  o  sistema   nanceiro  internacional  goroso  programa  de  exportações  que  pudesse  gerar,  em
          se  mostrava  arredio  e  vulnerável  quando  países  apresen-  curto prazo, um superávit na balança de pagamentos, ao
          tavam tendência contínua e crescente de dé cits em con-  mesmo tempo que iria promover novos investimentos na
          tas-correntes externas, ultrapassando o limite tolerável de  expansão e na modernização da capacidade produtiva, re-
          4% a 5% do PIB. Além disso, a liquidez externa da econo-  duzindo o elevado desemprego, que se transformava em
          mia  cava comprometida e se tornava insustentável, e era  delicada crise social. Soube logo depois, por fontes próxi-
          previsível a ocorrência de um default para breve.   mas ao presidente, que ele havia lido a carta com a devida
                                                              atenção e a distribuíra para alguns de seus ministros pró-
          A forma como a crise contaminou a economia mundial tam-  ximos e conselheiros econômicos.
          bém foi surpreendente, pois, com a queda do comércio e do
          PIB  mundial,  despencaram  junto  os  preços  das  principais  Todo plano deve ter uma meta, um propósito claro, com
          commodities, e muitos países exportadores de produtos pri-  métrica  de nida,  e  deve  ser  também  de  conhecimento  e
          mários viram o valor de suas exportações ser reduzido subita-  compromisso de todos os envolvidos em sua execução, ou
          mente. O petróleo, que estava cotado a 30 dólares o barril em  o plano  cará incerto quanto ao seu desempenho e sua tra-
          1996, viu seu preço despencar para 11 dólares. Logo depois,  jetória.  Minha  intenção  era  que  houvesse  um  plano  para
          alguns países da Organização dos Países Exportadores de Pe-  expandir  de  forma  signi cativa  o  coe ciente  exportador
          tróleo – OPEP – também entraram em crise.           da economia brasileira. A de nição da meta deveria passar
                                                              por uma re exão e avaliação preliminar, e deveria ser mini-
          Com a Rússia, que desde o início da década havia adotado  mamente exequível, para não parecer nem excessiva, nem
          uma política econômica neoliberal e até 1998 mantinha  utópica, nem modesta demais, não a ponto de representar
          uma política cambial de paridade do rublo com o dólar,  um desa o para os seus executores. A meta não poderia ser
          não  foi  diferente.  Com  a  queda  do  preço  do  petróleo,  vista apenas como uma peça de retórica ou um ato de vo-
          principal item de exportação da Federação Russa, ruiu a  luntarismo pessoal. Nessa avaliação se levaria em conta nos-
          insustentável paridade cambial, e repentinamente a Rús-  sa  posição  relativa  no  comércio  mundial,  que  era  ín ma:
          sia  se  tornou  inadimplente  nos  seus  compromissos  com  0,8%, quando nosso PIB era algo ao redor de 3% do PIB
          a dívida externa. A reação imediata foi uma fuga maciça  mundial, ou seja, relativamente quatro vezes maior.
          de  capitais  estrangeiros  e  nacionais.  Estava  claro  para  os
          principais  economistas  do  mundo  que  o  caminho  a  ser  Deveria ainda ser observado que objetivávamos estimular
          adotado a partir dessas duas crises, a asiática e a russa, era  uma pauta relativamente diversi cada, com muitos produ-
          o de introduzir com vigor uma rígida política  scal, redu-  tos  manufaturados,  inclusive  alguns  de  crescimento  dinâ-
          zindo gastos do governo, e ao mesmo tempo provocar a  mico e de altos e médios valores agregados. Era necessário
          desvalorização do câmbio por meio da adoção do regime  considerar também que o universo de exportadores brasi-
           utuante, que proporcionaria o gradual ajuste da balança  leiros ativos era insigni cante: 80% das exportações brasi-
          de pagamentos através do  uxo de câmbio da economia.  leiras  eram  realizadas  apenas  pelas  380  maiores  empresas
                                                              exportadoras.  Caberia  multiplicar,  em  poucos  anos,  o  es-
          Os efeitos dessas duas crises também chegaram ao Brasil,  forço empresarial nas exportações, por meio de estímulos
          e  a  economia  brasileira  viu-se  ameaçada  por  estar  ainda   scais,   nanceiros  e  cambiais,  que  assegurassem  bons  re-
          convivendo com um alto dé cit  scal, um crescente dé-  sultados aos exportadores. Como diria lorde Keynes, “seria
           cit de contas-correntes externas e um regime de câmbio  preciso despertar o espírito animal (animal spirit) dos ex-
          sobrevalorizado induzido pela captação de capitais exter-  portadores brasileiros”. No  nal de minha carta, depois de
          nos de curto prazo, que vinham somente arbitrar o spread  fazer  uma  série  de  simulações  econométricas,  sugeríamos
          entre juros externos e internos. E 1998 era um ano eleito-  ao presidente FHC o lançamento de uma meta desa ado-
          ral no Brasil. O presidente FHC, que buscava sua reelei-  ra,  que  deveria  ser  publicamente  anunciada  e  perseguida
          ção, sabia que teria de esperar passar o período eleitoral   para criar con ança na recuperação da economia brasileira:
          para não ver ameaçada a sua popularidade resultante do  US$ 100 bilhões em exportações em 2002! O mantra era
          Plano Real, que debelara a hiperin ação em 1994. Tudo  novamente o célebre “exportar ou morrer”.

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