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Momento Histórico


          A  minha  geração,  que  nos  anos  1970  adentrava  o  mer-  Ocorre  que,  ao  assumir  o  governo  em  1990,  Fernando
          cado de trabalho, percebia na crescente atividade expor-  Collor de Mello, com uma visão reformista radical, elimi-
          tadora  uma  nobre  e  lucrativa  oportunidade  de  carreira  nou de chofre toda a estrutura institucional do comércio
          pro ssional.  Naqueles  anos,  surgiram  no  país  inúmeras  exterior brasileiro. Extinguiu a Cacex por decreto e todo
          instituições,  como  a  Fundação  Centro  de  Estudos  de  o aparato administrativo do comércio exterior brasileiro,
          Comércio Exterior (Funcex) e a AEB (Associação Brasi-  sem  colocar  nenhuma  outra  estrutura  em  substituição.
          leira de Comércio Exterior), com o objetivo de reunir as  Eliminou-se também o programa Finex de  nanciamen-
          empresas exportadoras, formar pro ssionais capacitados  to às exportações e os poucos incentivos tributários que
          nas várias matérias relacionadas ao comércio internacio-  ainda vigoravam. Foram necessários anos para a recons-
          nal e organizar uma relação institucional e internacional  trução de um aparato de apoio e de gestão para o comér-
          para  o  comércio  exterior  brasileiro.  Surgiram  também,  cio exterior brasileiro. Em 1992 criou-se o Programa de
          naquela  época,  inúmeras  trading  companies  brasileiras,  Financiamento às Exportações (Proex), muito bem con-
          com  o  intuito  de  abrir  novos  mercados  e  promover  as  cebido pela então secretária de Indústria do Ministério de
          exportações, entre elas a Cotia Trading – da qual fui um  Economia, Dorothea Werneck, e que até hoje vigora, aos
          dos fundadores, junto com meu amigo Paulo Brito, em  trancos e barrancos, pois tem sido mal executado pelas au-
          1975, depois seu diretor (1976-1984) e  nalmente pre-  toridades fazendárias. Em 1994 o BNDES resolveu criar
          sidente (1985-1988). Nesse período de vida pro ssional  seu  próprio  programa  de   nanciamento  às  exportações,
          visitei mais de setenta países, fui mais de cinquenta vezes  denominado  BNDES  Exim.  Mas  tudo  isso  era  muito
          ao continente africano e realizei centenas de viagens in-  pouco diante do desa o que ainda tínhamos pela frente.
          ternacionais  para  os  cinco  continentes,  inclusive  para  a
          China, onde estive pela primeira vez no longínquo ano   O  real  se  valorizou  gradualmente  em  relação  ao  dólar  e
          de 1985.                                            chegou a ser cotado a R$ 0,68, o que parecia inimaginável
                                                              para qualquer analista  nanceiro alguns meses antes. Tal
          Até a metade da década de 1980, a estratégia econômica  prática foi de inegável importância para debelar a in ação
          brasileira  de  combinar  audacioso  programa  de  promo-  da moeda nacional, mas era lastreada na entrada maciça
          ção  de  exportações  com  rígido  programa  de  controle  e  de fundos externos de curto prazo, visando especialmente
          substituição de importações estava sendo relativamente  capturar  lucros  na  arbitragem  de  juros  no  mercado  bra-
          bem-sucedida. A partir de 1986, a crise da dívida externa  sileiro.  Esse   uxo  de  curto  prazo  proporcionou  dezenas
           cou mais aguda para a maioria dos países em desenvol-  de  bilhões  de  dólares  de  liquidez  externa  para  o  Banco
          vimento, inclusive para o Brasil, e introduziu o fator de   Central,  mas  era  fruto  de  reservas  voláteis,  atraídas  ao
          restrição  externa  ao  crescimento  econômico  para  quase  Brasil por uma taxa de juros exorbitante, gerando absur-
          todas as economias ditas emergentes (que, por ironia, em  da transferência de renda aos rentistas estrangeiros, que,
          sua maioria submergiram nos anos 1980).             ao  primeiro  susto,  poderiam  subitamente  ir  embora,  no
                                                              chamado “efeito manada”. Era uma situação de alto risco,
          Os mercados externos encolheram e muitos se fecharam,   mas que iludia muita gente que acreditava naquela falsa
          fosse  por  rígido  controle  de  importações,  fosse  por  de-  valorização do real. Um verdadeiro “autoengano” tomou
          fault nos pagamentos em moeda estrangeira. Operações   conta  do  mercado.  Para  os  exportadores  brasileiros,  foi
          de  countertrade  e  de  comércio  compensado  em  conta  um autêntico desastre a perda de rentabilidade e competi-
          grá ca  passaram  a  ocorrer  com  frequência  entre  países  tividade relativa em razão dessa política cambial unidire-
          emergentes.  Era  a  chamada  teoria  dos  partners  in  trou-  cional e equivocada.
          ble. Mesmo nessa conjuntura adversa e complexa, as ex-
          portações  brasileiras  de  produtos  manufaturados  ainda  Não  foi  nem  uma  nem  duas,  mas  talvez  dezenas  de  ve-
          predominavam na pauta exportadora do país e chegaram  zes que publiquei artigos sobre a política cambial naquela
          a representar, em 1985, o equivalente a 65% do total ex-  conjuntura, e procurei inúmeras vezes o presidente FHC
          portado pelo país, 12% do PIB brasileiro e cerca de 2%  e seus ministros para falar desse tema, além de escrever a
          das exportações mundiais de manufaturados. Diante do  eles dezenas de cartas relatando minha opinião, na condi-
          agravamento da crise da dívida externa, em 1987 o Bra-  ção de um dos economistas do PSDB, e sugerindo medi-
          sil entrou em regime de moratória e passou a depender  das compensatórias de apoio às exportações. Dois de seus
          quase  que  exclusivamente  da  geração  de  divisas  das  ex-  ministros pensavam da mesma forma que eu e apoiavam
          portações para manter o  uxo contínuo de importações  as mudanças na política econômica em curso: José Serra
          minimamente necessárias para o funcionamento de sua  e Clóvis Carvalho. Vez ou outra, o presidente FHC res-
          economia. O lema ali era “exportar ou morrer”.      pondia às minhas cartas com breves comentários, sempre

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