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RBCE - A revista da





                                                              cional e geradora de bem-estar naquelas situações
                                                              em que uma irma oferece o mesmo produto em dois
                                                              ou mais mercados cujas elasticidades de demanda
                                                              sejam distintas (Baumol, Panzar e Willig, 1982).
                                                              Este conlito entre a visão da academia e a conduta
                                                              dos governos gerou, nos últimos 40 anos, um núme-
                                                              ro crescente de estudos empíricos sobre a economia
                                                              política da proteção antidumping em diversos países.
                                                              Dois destaques recorrentes nesses trabalhos são os
                                                              de que os efeitos líquidos de ações antidumping são
                                                              sistematicamente negativos para o país importador,
                                                              e que este instrumento serve apenas para ampliar o
                                                              poder de mercado das irmas peticionárias. 1

                                                              Estas evidências podem ter afetado a postura de alguns
                                                              governos, como os do Canadá, Austrália e Nova Zelân-
                                                              dia, que abriam constantemente investigações antidum-
          Nas duas rodadas seguintes, a de Tóquio (1973-1979)   ping nos anos 1980 e 1990, e virtualmente abandonaram
          e a do Uruguai (1986-1994), que transformou o GATT   esta prática nas décadas seguintes. Mesmo os Estados
          na Organização Mundial do Comércio (OMC), vários    Unidos e a UE, os dois principais usuários no século
          detalhes das rotinas de investigação antidumping  fo-  passado, também mudaram de conduta nos últimos 15
          ram revistos e aprimorados. Porém, o pragmatismo do   anos, e passaram a aplicar tais medidas com menor fre-
          acordo permaneceu intacto. Os governos continuaram   quência, como indicam as estatísticas da OMC.
          a dispor, por exemplo, de total liberdade para não abrir
          uma investigação, a despeito das pressões exercidas  O Brasil aderiu ao acordo antidumping  em 1979, no
          pela indústria doméstica; bem como encerrar o caso  encerramento da Rodada de Tóquio, embora só tenha
          sem aplicação de direitos, independentemente das evi-  editado a legislação doméstica sobre esta matéria em
          dências levantadas durante a investigação.          1987. Uma peculiaridade da experiência brasileira
                                                              foi a de ter evoluído na direção oposta às tendências
          À luz dos critérios deinidos na Rodada Kennedy, o   vigentes entre os principais membros da OMC. Até
          sucesso do acordo antidumping foi inequívoco. Nas dé-  2005, este instrumento foi usado com relativa mode-
          cadas de 1970 a 1990, o uso deste instrumento difun-  ração, em contraste com o que iria ocorrer no período
          diu-se rapidamente entre os países industrializados,  seguinte, quando o país se manteve na posição de lí-
          sob a liderança dos Estados Unidos e da União Euro-  der mundial na abertura de investigações antidumping
          peia (UE). A partir dos anos 1990, o peril de usuários   durante quatro anos consecutivos, entre 2011 e 2014.
          mudou, com a entrada em cena de alguns países em
          desenvolvimento que haviam passado por reformas co-  Este artigo examina as consequências do uso exacerba-
          merciais no inal da década anterior (Miranda, Torres   do de medidas antidumping no Brasil. A segunda seção
          e Ruiz, 1998). Mas, este novo estilo de protecionismo   fornece um painel geral que servirá de referência para
          não afetou o ritmo dos processos de globalização de  os tópicos discutidos nas seções seguintes. São indica-
          mercados e fragmentação de cadeias produtivas que   dos ali: i) as estatísticas das investigações iniciadas pelo
          marcaram a economia mundial nesse período.          Brasil no período 1988-2015, comparando-as com os
                                                              montantes globais registrados pela OMC; ii) as parce-
          Entretanto, sob a ótica da teoria econômica, o con-  las de investigações concluídas com e sem aplicação de
          ceito de dumping enunciado no Artigo VI é um aná-   direitos; iii) o número de casos cujo direito antidumping
          tema. Desde a contribuição de Ramsey (1927), um     é renovado ao inal do período de vigência da medida,
          ponto estabelecido na literatura sobre organização  transformando-a em instrumento de proteção perma-
          industrial é o de que a discriminação de preços é ra-  nente. A terceira seção apresenta quatro breves estudos


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          1   Duas resenhas cuidadosas desta literatura são as de Blonigen e Prusa (2001; 2015).

          Nº  130 -  Janeiro/Fevereiro/Março de 2017                                                       49
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