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Defesa Comercial
Anatomia da Proteção
Antidumping no Brasil
José Tavares de Araujo Jr.
é Diretor do Centro de Estudos de Integração e
José Tavares de Desenvolvimento (Cindes)
Araujo Jr.
O primeiro código multilateral sobre normas antidumping foi elaborado durante a sexta rodada de negocia-
ções do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que icou conhecida como Rodada Kennedy (1964-
1967). A inalidade do código era regulamentar a aplicação do Artigo VI do GATT, que caracterizava como
dumping a venda de produtos no exterior a preços inferiores àqueles praticados no mercado doméstico. O
texto inal, intitulado Acordo de Implementação do Artigo VI, não alterou a deinição de dumping, mas estabe-
leceu as regras que deveriam ser obedecidas pelos países-membros quando decidissem aplicar uma medida
antidumping.
Nas rodadas anteriores, realizadas entre 1947 e 1961, o foco das negociações havia sido a redução das tarifas
de importação herdadas da escalada protecionista da década de 1930, com base num método simples: cada
país negociava bilateralmente com seus principais parceiros comerciais, e as concessões resultantes eram
estendidas às demais economias, através do princípio de nação mais favorecida. Este exercício promoveu uma
queda radical dos níveis tarifários vigentes nos principais membros do GATT naquele período – Estados
Unidos, a então Comunidade Econômica Europeia, Japão, Austrália, Canadá e Nova Zelândia – e foi a fonte
da expansão acelerada do comércio mundial nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial.
A Rodada Kennedy foi a primeira a conferir prioridade às barreiras não tarifárias e a enfrentar um desaio
novo. Em vez de reuniões bilaterais centradas em metas quantitativas bem deinidas, o processo de negocia-
ção demandaria um esforço coletivo de formação de consenso sobre a forma de abordar cada tema. Como
notou Dam (1970), tal esforço iria gerar tensões frequentes entre os dois polos que sustentavam o GATT: o
legalismo e o pragmatismo. No caso do acordo antidumping, prevaleceu a vertente pragmática.
Além de coibir eventuais práticas desleais de comércio, a real função daquele texto era criar um mecanismo
capaz de fornecer proteção seletiva a indústrias temporariamente inaptas a lidar com a concorrência de
importações. As negociações da Rodada Kennedy conseguiram harmonizar duas metas que, a rigor, eram
conlitantes. Por um lado, a im de minimizar o risco de litígios comerciais – e consolidar processo de libe-
ralização comercial em curso naquele momento –, era preciso deinir rotinas transparentes, baseadas em
conceitos claros sobre a prática de dumping, os danos sofridos pela indústria doméstica, e o vínculo causal
entre os dois fenômenos. Por outro lado, os governos queriam manter uma autonomia plena para aplicar
estas regras segundo suas prioridades domésticas.
48 Nº 130 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2017