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Defesa Comercial




          grau de intervenção do Estado na economia do país,  namental no capital de empresas de vários setores,
          em amplitude e profundidade, distinto do observa-   afetando a formação de custos e preços nessa econo-
          do nos outros países-membros da organização. Essa  mia.  O debate jurídico vem apontando um consen-
                                                                  10
          prerrogativa possibilitou aos países importadores   so em torno do entendimento de que a linguagem do
          derrogar a regra geral e utilizar, para ins de deter-  art. 15 do protocolo não implica automaticamente
          minação do “valor normal” em investigações anti-    que essa lexibilidade não possa continuar a ser usa-
          dumping  conta exportadores chineses, metodologia   da. Contudo, passaria a existir, sim, uma “reversão
          alternativa, que autoriza a desconsideração dos pre-  do ônus da prova”, ou seja, para ins de desconside-
          ços e custos observados naquele país. Tal lexibili-  rar os preços de venda na China, o país importador
          dade permitiu a obtenção de resultados de margem  deverá provar que os preços praticados nesse país
          de dumping nos preços de exportações da China que  não são de economia de mercado.
                                                                                              11
          de outra forma não seriam obtidos. Assim, a política
          antidumping viabilizou uma forte proteção contra os   Entre os dez principais usuários da política anti-
          baixos preços de exportação dos produtos originá-   dumping, até o momento, apenas a África do Sul e
          rios da China.                                      a Austrália já concederam à China o tratamento de
                                                              economia de mercado. Vale notar que, ainda assim,
          O im do período de transição estabelecido no pro-   os regulamentos desses países contêm provisões que
          tocolo de acessão da China suscitou um amplo de-    permitem desconsiderar os dados da economia chi-
          bate jurídico sobre a interpretação dos seus dispo-  nesa, desde que observadas certas condições.  Além
          sitivos, em particular quanto à “automaticidade” da  da Austrália, Nova Zelândia e o Peru (entre os vinte
          entrada em vigor das regras do art. 15 do protocolo,  maiores usuários) concederam esse reconhecimento
          que prevaleceriam após 11 de dezembro de 2016.  A  por meio de acordos bilaterais com a China. O Peru
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          China defende que a partir dessa data o país deve ser  prevê circunstâncias em que poderá ainda não con-
          automaticamente reconhecido como “economia de       siderar os dados chineses, mas a Nova Zelândia já os
          mercado” nas investigações antidumping, o que tor-  aceita em suas investigações. O Canadá, por sua vez,
          naria impossível desconsiderar os preços internos e   modiicou seus procedimentos no sentido de trans-
          custos de produção observados no mercado chinês     ferir o ônus da prova, quanto à metodologia a ser
          para o cálculo da margem de dumping nos preços de   utilizada, para os peticionários e para a autoridade
          suas exportações. Isso implicaria, na sua visão, a re-  de investigação, em lugar de atribuí-lo aos exporta-
          vogação de medidas antidumping em vigor baseadas    dores chineses; ainda assim, há circunstâncias, pre-
          em metodologia que desconsidere os dados de pre-    vistas na sua legislação, em que o status de economia
          ços internos do país. A essa interpretação se opõem   não de mercado poderá ser considerado.  12
          os principais países usuários da política antidumping,
          que apontam o ainda alto nível de dirigismo estatal  No dia seguinte ao da expiração da vigência do perío-
          nas atividades econômicas e a participação gover-   do de transição para a China, em 12 de dezembro de



                                        ............................................................................


          9  O art. 15 estabeleceu que: “a autoridade investigadora utilizará preços e os custos chineses (...) ou uma metodologia que não se baseie em uma compa-
          ração estrita com os preços ou os custos domésticos chineses (...), com base nas  seguintes normas: (i) se os produtores investigados comprovarem que,
          no segmento produtivo em questão, prevalecem condições de  economia de mercado, deverão ser utilizados os preços ou custos  prevalecentes na China;
          (ii) a autoridade investigadora poderá utilizar metodologia alternativa se os produtores investigados não comprovarem que, no segmento produtivo em
          questão,  prevalecem condições de  economia de mercado...........(d)  uma vez tendo a China demonstrado, em conformidade com a legislação nacional do
          país importador, [grifo nosso] que é uma economia de mercado, icarão sem efeito as disposições do parágrafo (a). (...) Em quaisquer casos, as disposições do
          parágrafo (a) ii) expirarão após transcorridos 15 anos da data de acessão” [ou seja, no dia 11/12/2016].  Ademais, nos casos em que a China demonstrar que
          em um segmento produtivo especíico prevalecem condições de economia de mercado, deixar-se-ão de aplicar a esse segmento produtivo as disposições
          do parágrafo (a)” (grifos nossos).
          10   Foge ao escopo deste artigo a análise das condições econômicas vigentes no sistema produtivo e no mercado chinês. Para uma análise atualizada das
          contradições que permeiam a economia chinesa e das regras multilaterais, ver Mark Wu (2016, p. 261-324).
          11   Para um resumo desse debate, ver Miranda (2016a, b e c).
          12   Miranda (2016b, p. 459-453). Austrália e Peru preveem essa possiblidade quando for determinada a existência de uma “situação particular de mercado”.

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