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Geopolítica
O Brasil tem de defender seus valores ocidentais e pre- Em terceiro lugar, as mudanças climáticas produzidas
servar seus interesses asiáticos. Ao contrário dos que de- pela ação humana estão na raiz de uma crescente crise
fendem que o Brasil terá de escolher um lado – o dos ecológica com desastres em todos os continentes (fura-
EUA – será importante evitar alinhamentos automá- cões e inundações, queimadas, chuvas e secas) causan-
ticos, livre de in uências ideológicas e geopolíticas. O do destruição e morte, além da elevação do nível dos
governo brasileiro já vem sendo confrontado com essas oceanos em função do aquecimento global, ameaçando
opções em votações nos organismos internacionais e em aumentar o número de pessoas em deslocamento migra-
gestões diplomáticas, como no caso do não fornecimen- tório forçado.
to de munição para tanques na Ucrânia e na autoriza-
ção para navios de guerra iranianos entrarem em portos Em quarto lugar, as instituições multilaterais criadas
nacionais. Ativismo diplomático, contudo, como a ini- depois do m da guerra, em 1945, para a preservação
ciativa de criar um grupo da paz para a suspensão das da paz e da segurança mundiais, não são mais capazes
hostilidades na Ucrânia, não terá êxito. de responder a todos esses desa os por não mais serem
representativas da nova geopolítica e da nova geoeco-
A grande maioria dos países em desenvolvimento da nomia global. A Cúpula do Futuro, reunião convocada
África, América Latina e Ásia têm-se manifestado con- pelo secretário geral da ONU, em setembro de 2024,
tra a divisão do mundo. A exemplo da Índia, o Brasil, em Nova York, para examinar como poderia ser a gover-
reconhecendo as novas realidades mundiais, deveria nança em um mundo multipolar em tempos de grandes
manifestar formal e publicamente sua posição de inde- mudanças e desa os para a humanidade, terminou esva-
pendência em relação aos dois lados, acima de ideolo- ziada, sem qualquer perspectiva para indicar caminhos
gias ou preferências partidárias, na defesa estrita de seus de uma nova governança global. As guerras na Ucrânia e
interesses políticos, econômicos e comerciais. no Oriente Médio em crescente tensão – devido ao fato
de o exército israelense ter invadido o Líbano e a Síria,
– com a possibilidade de escalada, continuarão a ter im-
NOVA ETAPA HISTÓRICA pacto na economia e na política global. Caso o con ito
se estenda – com um eventual ataque de Israel contra
Tendo como pano de fundo as grandes transformações o Irã, com o apoio dos EUA, – a situação poderá sair
na economia e na ordem internacional, o mundo está do controle, com a possível interferência de potências
entrando em uma nova etapa histórica. antiocidentais ao lado do Irã.
Em primeiro lugar, a supremacia Ocidental econômi- Um quinto fator poderia ser acrescentado. Livro recen-
ca, nanceira e militar, nos últimos duzentos anos, está te – A guerra por Outros Meios (War by Other Means,
sendo questionada e, na visão de muitos, está sendo re- Harvard Press) – capta as mudanças na formulação e
duzida. O mundo começa a se dividir em um grupo de execução das políticas internas e externas dos países. Um
nações ocidentais (sem de nição geográ ca) – EUA, dos aspectos novos examinados é o uso de instrumentos
Europa, Japão, Austrália e outras – e, de outro, um econômicos e comerciais como um meio de alcançar ob-
crescente grupo de nações, liderado pela China, tendo jetivos geopolíticos. A relação entre poder econômico
como base o BRICS, formado por onze países, com tre- e geopolítica passa a ser fundamental no mundo atual.
ze nações convidadas como associadas e mais de uma Nesse sentido, tornam-se elementos básicos a perfor-
dezena pedindo para integrá-lo. A in uência dos EUA, mance macroeconômica do país, a evolução da política
como a nação mais poderosa do mundo, parece estar em econômica internacional e os instrumentos utilizados
declínio, como se vê na tentativa de conter o con ito no na busca dos objetivos geopolíticos.
Oriente Médio.
A geoeconomia passou a ser um elemento crítico quan-
Em segundo lugar, o rápido avanço das tecnologias em do se analisa o papel de cada país nesse novo mundo,
várias áreas – inteligência arti cial, computação, biotec- como evidenciado pelas políticas e medidas unilaterais
nologia, – o mais profundo da história da humanidade adotadas por Washington. A ideia de negociar tarifas
(maior talvez do que a invenção da roda, da revolução recíprocas cancela todas as negociações com base no
industrial e mesmo da arma nuclear), sobretudo pela princípio da Nação Mais Favorecida e abre a “Rodada
possibilidade da inteligência arti cial tomar decisões Trump”, sem a OMC. A geoeconomia focaliza o uso da
independente da ação humana, com profundas conse- força por meio de instrumentos econômicos e comer-
quências políticas e econômicas globais. ciais para promover e defender os interesses nacionais,
12 Nº 162 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2025