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Comentário Internacional
O mundo dá voltas
George Vidor
George Vidor é economista e jornalista
O liberalismo econômico parecia ter triunfado sobre todos os demais sistemas. A guerra fria se dissipara a ponto de
potências nucleares como a Rússia terem concordado em reduzir seus arsenais, permitindo até que o antigo inimigo
(Estados Unidos) pudesse atuar diretamente na desmontagem de armamentos. Mesmo em âmbitos regionais, as
uniões aduaneiras e áreas de livre comércio se espalharam pelo planeta. Movimentos de capitais se globalizaram.
Uma moeda única, o euro, passaria a rivalizar com o dólar americano. Investidores estratégicos se tornaram presen-
tes em todos os tipos de empreendimentos, mesmo aqueles voltados à infraestrutura, de longa maturação. Houve até
quem chegasse a prever “o m da história”, no sentido de desparecimento de con itos de toda ordem. Um planeta
movido pela livre concorrência, porém colaborativo, quase em um jogo de ganha-ganha.
Mas, primeiro surgiram no cenário os chamados tigres asiáticos, com agressiva participação na tração de investimen-
tos e no comércio internacional. E na própria Ásia um gigante despertou, a China, que se apagara por várias déca-
das. Despertando com um complicador: abertura na economia sem igual correspondência em seu modelo político,
centralizado nas mãos de um mesmo grupo liderado pelo partido comunista. O tufão asiático faz despertar outro
gigante no enorme continente, a Índia.
Ao meio dessa reviravolta, mudanças climáticas se aceleraram e adicionaram um fator de insegurança considerável
nos horizontes dos processos produtivos.
A paz mundial se mostrou ilusória. Con itos regionais continuaram, muitos dos quais tendo como pano de fundo
o fundamentalismo religioso. Como se isso não bastasse, dentro do território europeu volta a ocorrer a invasão de
um país por outro. Na era soviética isso já acontecera, mas não com a característica de mudança de fronteiras – que
vinham sendo respeitadas desde o m da II Guerra Mundial. Rússia e Ucrânia travam uma disputa territorial que
di cilmente resultará em paz duradoura entre as duas maiores nações da Europa.
A hegemonia americana, quase incontestável por décadas, foi abalada. E a reação da sociedade americana foi eleger
um presidente disposto, não apenas no discurso, mas em atitudes concretas, a rea rmar essa hegemonia. Donald
Trump declara a intenção de reanexar o canal do Panamá, ocupar a Groenlândia e transformar o Canadá em mais
um estado americano. Ou seja, declara em alto e bom som que pode desrespeitar a soberania de outros países, todos
reconhecidos como aliados históricos dos Estados Unidos.
8 Nº 162 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2025