Page 70 - Edição 153 da RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior
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a controvérsia pudessem aplicar retaliações àqueles No entanto, com o fim do mandato da maioria dos
que mantêm medidas incompatíveis com as regras da membros e o bloqueio dos Estados Unidos à nomeação
OMC. Tal retaliação poderia ser efetuada, por exem- de novos integrantes, não há previsão para que o órgão
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plo, por meio de um aumento de tarifas para os bens ex- volte a operar.
portados pelo membro infrator, em um valor equivalen-
te ao das perdas incorridas ou, então, poderia, inclusive, De modo a contornar esse entrave e garantir o equilíbrio
adotar a retaliação cruzada, em que cessaria a concessão entre as inevitáveis colisões de interesses dos membros
de direitos ou de obrigações relativos ao mesmo setor, da OMC, determinados membros foram em busca de
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em que se tivesse constatado violação ou, caso isso fosse alternativas. Nesse espírito, em março de 2020, houve
impraticável, em setores distintos. a criação do Multi-Party Interim Appeal Arrangement
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(MPIA), apresentado pela UE como alternativa provi-
Ocorre que, desde o final de 2019, o Órgão de Apelação sória ao sistema de apelação da OMC. Com base no art.
segue inoperante. A principal razão é o boicote dos Es- 25 do ESC, o MPIA permite aos seus integrantes man-
tados Unidos à nomeação de novos membros e a ausên- terem a praxe de solução de disputas em dois níveis, por
cia de expectativas na solução desse impasse. Segundo meio da arbitragem.
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o art. 17, §1 do ESC, cujas regras tutelam o sistema de
Solução de Controvérsias na OMC, para analisar uma Diferentemente do Órgão de Apelação da OMC, este
demanda, o Órgão de Apelação – idealmente composto não exige o número mínimo de três membros para avaliar
de sete membros – deve ser composto por ao menos três a questão, priorizando a busca por soluções finais para
membros, cujos mandatos podem durar até dois anos. as disputas. Todos os dez árbitros nomeados pelo MPIA
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10 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações mul-
tilaterais. 2ª Edição. São Paulo: Aduaneiras, 2003, p.71.
11 Recorde-se, por exemplo, do caso do algodão, em que após decisão favorável ao Brasil, este ameaçou a imposição de retaliação cruzada na forma de me-
didas nas áreas de propriedade intelectual de setores sensíveis à economia estadunidense, como o audiovisual e o farmacêutico, visto que a mera elevação
de tarifas não seria suficientemente producente para o resultado almejado.
12 Desde 2016, os Estados Unidos têm feito esforços para revisar os procedimentos do Órgão de Apelação e levantado questões que, a seu ver, devem ser
resolvidas antes da nomeação de novos membros para o Órgão de Apelação. A primeira delas está relacionada às autorizações concedidas aos ex-juízes para
finalizarem seus relatórios em determinada controvérsia mesmo após o término de seus mandatos. Para os Estados Unidos, essa prorrogação dos mandatos
dos juízes viola as regras atuais que proíbem a extensão dos mandatos aos membros do Órgão de Apelação. Outra questão está no descumprimento do
Órgão de Apelação quanto aos prazos para análise das apelações, pois de acordo com o artigo 17.5 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias, os
juízes têm 90 dias para esta análise, porém, segundo os Estados Unidos, o Órgão de Apelação tem ignorado esse prazo, autorizando os juízes a perdurarem
o tempo que julgarem necessário na análise de apelações. Além disso, nos últimos anos, o Órgão de Apelação tem se recusado a cumprir a exigência de
apresentar uma estimativa, no prazo de 60 dias do início do processo, de quando terminará o relatório, caso exceda a 90 dias. Ademais, argumentam sobre
o ativismo judicial da instituição e sua criação de novas obrigações para os membros da OMC. Por fim, discordam de o Órgão de Apelação criar prece-
dentes, algo sem embasamento legal nas regras da OMC, segundo os Estados Unidos. Para maiores informações ver: GABRIEL, Vivian Daniele Rocha.
The Role of the European Union in the Dissolution of the Appellate Body Crisis, V. 40, Guest Editor, Michigan Journal of International Law. Disponível em:
http://www.mjilonline.org/the-role-of-the-european-union-in-the-dissolution-of-the-appellation-body-crisis/. Acesso em 20/08/2022.
13 Destaca-se que o MPIA está operante desde 30 de abril de 2020 e que o Brasil se configura como um de seus 23 membros. Fazem parte do MPIA até
o momento mais de 50 membros da OMC, dentre eles: Austrália; Brasil; Canadá; China; Chile; Colômbia; Costa Rica; União Europeia; Guatemala;
Hong Kong, China; Islândia; México; Nova Zelândia; Noruega; Paquistão; Cingapura; Suíça; Ucrânia e Uruguai. 1. The participating Members indicate
their intention to resort to arbitration under Article 25 of the DSU as an interim appeal arbitration procedure (hereafter the “appeal arbitration procedure”),
as long as the Appellate Body is not able to hear appeals of panel reports in disputes among them due to an insufficient number of Appellate Body members. Cf.
WORLD TRADE ORGANIZATION. Statement on a mechanism for developing, documenting and sharing practices and procedures in the conduct
of wto disputes. Addendum. JOB/DSB/1/Add.12. Disponível em: https://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2020/april/tradoc_158731.pdf. Acesso em
20/08/2022; EUROPEAN COMMISSION. The WTO multi-party interim appeal arrangement gets operational. Disponível em: https://trade.ec.eu-
ropa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2176. Acesso em 20/08/2022 e EUROPEAN COMMISSION. Interim appeal arrangement for WTO disputes
becomes effective. Disponível em: https://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2143. Acesso em 20/08/2022.
14 Segundo o item (3) do preâmbulo do Regulamento (UE) 2021/167: “(...) Essa abordagem foi aprovada pelo Conselho, em 27 de maio de 2019, 15 de julho
de 2019 e 15 de abril de 2020, e mereceu o apoio do Parlamento Europeu na sua Resolução, de 28 de novembro de 2019, sobre a crise no Órgão de Recurso da
OMC. Se um membro da OMC se recusar a participar num tal mecanismo e apresentar recurso junto de um Órgão de Recurso da OMC não funcional, a re-
solução do litígio fica efetivamente bloqueada”. JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Preâmbulo, item (3). REGULAMENTO (UE) 2021/167
DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 10 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/
PDF/?uri=CELEX:32021R0167&from=PT. Acesso em 20/08/2022. Para outras informações sobre o MPIA, ver: NEGRÃO, Francisco Niclós; MELO,
Déborah, de Sousa e Castro; TOMIMATSU, Camila Emi. Multi-party interim appeal arbitration arrangement (MPIA): considerações sobre a solução
temporária proposta pela União Europeia, Brasil, China e outros membros da OMC no contexto de ausência de quórum do órgão de apelação. Revista de
Direito do Comércio Internacional, nº 3. São Paulo: Enlaw, 2020, p. 33-64. Disponível em: https://enlaw.com.br/revista/705. Acesso em 20/08/2022.
66 Nº 153 - Outubro, Novembro e Dezembro de 2022