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RBCE - A revista da
Quando os desequilíbrios globais em conta-corrente − e
correspondentes taxas de câmbio reais efetivas (TCREs) “ Enquanto déicits excessivos enfrentam
− reletem aqueles fundamentos, as economias estão em eventualmente uma escassez de inanciamento
lugar melhor do que estariam na autarquia (isoladas externo, os superávits em excesso sofrem
com saldos zero). No entanto, há situações em que es- pressões menos automáticas para se dissipar e,
ses desequilíbrios podem ser considerados excessivos e portanto, podem persistir por mais tempo
os países deveriam reduzi-los, conforme abordado em
Blanchard e Milesi-Ferretti (2010; 2011).
Quando desequilíbrios são provocados por distorções “
domésticas, sua remoção tende a beneiciar diretamen-
te a economia em questão. Por exemplo, este é o caso
em que déicits são mais elevados em decorrência de É o caso quando parte do mundo está aprisionada
uma regulação inanceira leniente alimentando au- em alguma “armadilha de liquidez” − incapaz de re-
mentos insustentáveis do crédito ou de políticas iscais correr à redução das taxas domésticas de juros como
excessivamente frouxas. É também o caso de exceden- política de ajuste – e/ou enfrenta obstáculos para
tes que reletem uma poupança privada extremamente usar políticas iscais compensatórias.
elevada devido à falta de seguridade social, bem como
o de investimentos reprimidos pela falta de interme- O External Sector Report do FMI tem como objetivo ava-
diação inanceira eiciente. Vale a pena notar que, en- liar até que ponto os saldos em conta-corrente e as cor-
quanto déicits excessivos enfrentam eventualmente respondentes TCREs estão fora de linha com os “funda-
uma escassez de inanciamento externo, os superávits mentos e políticas desejáveis”, bem como se estoques de
em excesso sofrem pressões menos automáticas para se ativos externos líquidos estão evoluindo dentro de limites
dissipar e, portanto, podem persistir por mais tempo.
sustentáveis. O que mostrou o último relatório?
Para além de tais casos associados a distorções domés- O Gráico 4 apresenta sua avaliação de quão intensa-
ticas, porém, como assinalaram Blanchard e Milesi- mente as economias individuais vêm exibindo saldos
Ferretti (2011), há também situações em que a inter- em conta-corrente, e correspondentes TCREs, em de-
dependência multilateral das economias impõe como sacordo com seus “fundamentos”, isto é, os fatores que
desejável uma restrição a déicits e superávits em conta- em condições normais os levariam a apresentar desequi-
corrente. Déicits insustentáveis de grandes economias líbrios em conta-corrente dentro de determinadas fai-
inanceiramente integradas são um tal caso, uma vez que xas especiicamente estimadas para cada país. Mais forte
alguma crise a elas associada pode desencadear efeitos (mais fraco) corresponde a uma TCRE “desvalorizada”
transfronteiriços em ampla escala.
(“supervalorizada”). Mais forte (mais fraco) também
Blanchard e Milesi-Ferretti (2011) salientam, também, duas signiica que um saldo em conta-corrente está maior
situações em que superávits podem ser considerados excessivos: (menor) do que aquele “consistente com os fundamen-
tos e as políticas desejáveis” (IMF, 2016a, Quadro 1).
(i) Quando os superávits em conta-corrente resultam
de estratégias deliberadas de contenção da demanda O relatório do FMI observa que a evolução para meno-
agregada doméstica e de desvalorização deliberada res desequilíbrios após a crise inanceira global parou
da taxa de câmbio, em detrimento de concorrentes e movimentos recentes dão motivos para preocupação
estrangeiros. Contudo, cabe observar que, dado que (IMF, 2016a, p.23):
luxos de poupança e investimento são determina-
dos simultaneamente ao balanço em conta-corren- Primeiro, as economias com posições externas consi-
te, é sempre difícil obter evidência conclusiva quan- deradas “substancialmente mais fortes” (Alemanha,
to ao peso de tais estratégias em relação a outros Coreia do Sul, Cingapura) ou “mais forte” (Malásia,
determinantes do saldo em conta-corrente. Holanda) permaneceram como tal nos últimos quatro
anos. Também foi notável a mudança para posições
(ii) Quando um aumento do superávit de uma econo- mais fortes nos casos da Tailândia e do Japão.
mia ocorre, enquanto outras enfrentam diiculdades
para absorvê-lo sem sofrer efeitos adversos e dura- Segundo, na parte inferior da distribuição, enquanto alguns
douros sobre sua demanda doméstica e produção. países reduziram − ou suprimiram − graus de “fraqueza”
Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 33