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Economia Internacional
de commodities − mantiveram tendências de crescimento O declínio dos preços das commodities, por seu turno,
acima das economias avançadas (Canuto, 2010). também ajudou a reduzir os desequilíbrios globais.
Enquanto esse padrão de desequilíbrios globais se des- Portanto, os desequilíbrios globais não provocaram
dobrava antes do colapso inanceiro global em 2008, uma crise e voltaram em conigurações diferentes. Dado
muita discussão ocorreu sobre seu próprio potencial que não se espera – nem se deseja – que saldos em conta-
para desencadear uma crise caso disparasse algum tipo corrente sejam necessariamente zero, como avaliar se o
de “parada súbita” nos luxos. Os superávits em con- recente aumento “moderado” detectado pelo FMI e que
ta-corrente da China foram impulsionados por níveis abordamos inicialmente pode ser mau presságio? Os
depreciados de sua taxa de câmbio, sustentados apenas que manifestaram preocupação com o aumento dos ex-
com o acúmulo de reservas externas. A mesma evolução cedentes no Leste Asiático e na Zona do Euro têm boas
foi interpretada por alguns como a expressão de um ex- razões para tal?
cesso de poupança não acompanhado por disponibili-
dade doméstica suiciente de ativos seguros e líquidos Para responder a essas perguntas, será útil analisarmos
como os títulos do Tesouro norte-americano. a seguir o exercício de julgamento do FMI sobre se tais
desequilíbrios globais recentes foram “excessivos”, ou
Independentemente da ênfase de causalidade estabele- seja, inconsistentes com “fundamentos e políticas dese-
cida entre, de um lado, estratégias de crescimento via jáveis” (IMF, 2016a, Quadro 1).
exportação e, de outro, a combinacão de excesso de pou-
pança e escassez de ativos seguros e líquidos, os analistas
se dividiam em dois campos, como descrito por Eichen- QUÃO DESALINHADOS COM OS
green (2014). Alguns analistas temiam uma possível cri-
se de coniança no dólar levando luxos de capital a uma FUNDAMENTOS TÊM SIDO OS
parada súbita, enquanto outros viam os desequilíbrios DESEQUILÍBRIOS EM CONTA-
como uma troca mutualmente benéica de bens asiáticos CORRENTE MAIS RECENTES?
baratos por ativos líquidos seguros e líquidos. Nesta se-
gunda visão, os desequilíbrios poderiam gradualmente Não se espera que economias nacionais exibam neces-
se dissolver à medida que as estratégias de crescimento sariamente saldos nulos em conta-corrente zero ou es-
via exportações chegassem ao esgotamento e/ou o dese- toques líquidos de ativos externos próximos de zero.
jo de acumulação de ativos se aproximasse da saciedade. Em decorrência de fatores “fundamentais”, em qualquer
De qualquer modo, a crise aconteceu antes que a disputa período de tempo a absorção doméstica − consumo e
fosse resolvida e os desequilíbrios globais começaram a investimento − pode ser maior ou menor que o PIB lo-
atenuar na sequência. As taxas de poupança pessoal nos cal, com correspondentes entradas ou saídas de capital:
EUA começaram a subir, níveis domésticos de alavan- (i) diferenças nas preferências intertemporais e nas estru-
cagem inanceira declinaram, o dólar desvalorizou e o turas etárias de suas populações signiicam diferentes
déicit em conta-corrente dos EUA recuou de quase 6% proporções de consumo doméstico em relação ao PIB;
do PIB em 2006 para níveis muito mais baixos a partir
de 2009. Ao mesmo tempo, a China iniciou seu “grande (ii) diferenças nas oportunidades de investimento tam-
rebalanceamento”, com o objetivo declarado de mover- bém tendem a induzir a luxos de capital;
se do modelo de crescimento orientado para as exporta-
ções e sustentado com investimentos ao redor de 50% (iii) diferenças nos níveis de desenvolvimento institu-
do PIB, em direção a outro com maior peso de serviços cional, nos status de moedas locais como ativos de
e do consumo doméstico, o que incluiu uma apreciação reserva e outras características idiossincráticas tam-
cambial e menores metas de taxa de crescimento. Isso bém geram luxos e desequilíbrios de capital;
não correspondeu à mudança imediata de trajetória, já
que a cautela contra uma aterrissagem forçada no perío- (iv) fatores cíclicos − incluindo lutuações nos preços
do pós-crise global se fez acompanhar de um surto de das commodities − também podem causar aumentos
investimentos imobiliários e em infraestrutura como e declínios transitórios nos saldos; e
componente da transição (Canuto, 2013a).
(v) as posições em termos de ativos externos líquidos dos
Como já abordamos, os déicits também diminuíram países têm também uma contrapartida em termos
na Zona do Euro na sequência de sua crise da dívida. de pagamentos de serviços em suas contas correntes.
32 Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016