Page 33 - rbce129
P. 33
RBCE - A revista da
lelo com a manutenção de excedentes nos países credores nou-se um elo inal de cadeias de valor com estágios in-
(com leve subida no caso da Alemanha). Embora a posi- termediários fornecidos do exterior (Canuto, 2013b).
ção líquida de passivos dos devedores não tenha diminuí- O desequilíbrio bilateral entre os EUA e a China cons-
do proporcionalmente, seu ajustamento da conta-corrente tituiu, portanto, um canal de vendas de bens e serviços
correspondeu a superávits crescentes da Zona do Euro em para além da China.
conjunto em relação ao resto do mundo. Setser (2016), por
sua vez, chamou a atenção para a forma como as seis maio- Em segundo lugar, embora muitas vezes tais processos se-
res economias do Leste Asiático − China, Japão, Coreia jam vinculados como imagens no espelho um do outro
do Sul, Taiwan (China), Hong Kong (China) e Singapura − como na hipótese de um “excesso de poupança” ou de
− reverteram o declínio pós-crise inanceira global de seus reservas externas na Ásia causando baixas taxas de juros e
superávits e o nível destes estão atualmente em patamares aumento dos preços dos ativos nos Estados Unidos (Ber-
superiores aos da Zona do Euro (Gráico 3). nanke, 2005) − as bolhas de ativos dos EUA estiveram
mais fortemente associadas ao “excesso de elasticidade do
Essa dupla trajetória de superávits crescentes vem susci- sistema monetário e inanceiro internacional” do que a
tando preocupações com o ressurgimento de crescentes superávits em conta-corrente da Ásia (Borio e Disyatat,
desequilíbrios em conta-corrente como fonte de riscos 2011), (Borio, James e Chin, 2014). Os desequilíbrios
para a economia global. Embora Eichengreen (2014) te- globais em conta-corrente não servem como explicação
nha declarado o im da “era dos desequilíbrios globais”, para a crise inanceira global originada nos EUA.
mais recentemente outros acreditam estarem “de volta” e
airmam que “os crescentes desequilíbrios globais devem Mais relevante quantitativamente na formação de bo-
soar sinos de alarme” [HSBC, segundo Verma e Kawa lhas de ativos nos EUA foi o processo pelo qual bancos
(2016)]. Antes de abordarmos esta questão, no entanto, europeus captavam recursos no mercado monetário nos
vale primeiro analisar como o peril dos atuais desequilí- EUA e sustentavam – diretamente ou não – posições
brios difere daquele anterior à crise inanceira global. em ativos tóxicos. Enquanto ocorria o uso de seus ba-
lanços como instrumento de alavancagem, nos balanços
de pagamentos os luxos brutos de recursos de curto
OS DESEQUILÍBRIOS GLOBAIS prazo dos EUA, para a Europa faziam-se acompanhar
por saídas correspondentes de inanciamento de longo
EVOLUÍRAM prazo na direção inversa, com correspondentes saldos
diminutos nas contas de capitais.
A “era dos desequilíbrios globais” até 2008 (Gráico 1) teve
em seu núcleo dois processos distintos, embora combinados. Um paralelo entre China e EUA pode ser estabelecido
dentro da Zona do Euro, incluindo sua experiência pos-
Por um lado, o crescimento impulsionado pelo crédito, terior com um “segundo mergulho” da crise inanceira
gerado pelas bolhas de ativos nos EUA e seu efeito-ri- global. A entrada em vigor do euro como moeda comum
queza, intensiicou a tendência já presente de uma ab- em 2000 foi seguida por uma convergência de prêmios de
sorção doméstica (particularmente o consumo) crescen- risco dos países-membros em direção aos níveis alemães
do mais rapidamente do que o produto interno bruto e para luxos bancários transfronteiriços em condições
(PIB). Isso resultou na queda das taxas de poupança extremamente favoráveis. Consequentes bolhas de ativos
pessoal e em aumento signiicativo dos déicits em con- criaram efeitos-riqueza e excesso de absorção doméstica
ta-corrente (Canuto, 2009; 2010). − para além do inchaço da intermediação inanceira − no
sul da Europa e na Irlanda e à subsequente crise da dívida
Por outro lado, a acelerada transformação estrutural e o privada e iscal. O padrão de desequilíbrios em conta-cor-
rápido crescimento na China ocorreram com níveis de rente intra-Zona do Euro apresentados no Gráico 2 foi
poupança e investimentos elevados e crescentes, fazen- principalmente uma consequência da euforia ocorrida
do-se acompanhar de superávits em conta-corrente cada em condições de “excesso de elasticidade” do seu sistema
vez maiores (Canuto, 2013a). inanceiro.
Duas observações sobre esses processos distintos, porém O superciclo das commodities também ajudou a moldar os
combinados, se fazem necessárias. Primeiro, o déicit bi- desequilíbrios globais neste período, visto no Gráico 1. No
lateral dos EUA com a China no período, na verdade, entanto, em grande parte foi consequência do extraordinário
encolhe um terço quando medido em termos de valor crescimento global anterior à crise, durante o qual as econo-
agregado, em decorrência do fato de que a China tor- mias emergentes – com PIBs de maior intensividade no uso
Nº 129 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 31