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RBCE - A revista da





          lelo com a manutenção de excedentes nos países credores  nou-se um elo inal de cadeias de valor com estágios in-
          (com leve subida no caso da Alemanha). Embora a posi-  termediários fornecidos do exterior (Canuto, 2013b).
          ção líquida de passivos dos devedores não tenha diminuí-  O desequilíbrio bilateral entre os EUA e a China cons-
          do proporcionalmente, seu ajustamento da conta-corrente  tituiu, portanto, um canal de vendas de bens e serviços
          correspondeu a superávits crescentes da Zona do Euro em  para além da China.
          conjunto em relação ao resto do mundo. Setser (2016), por
          sua vez, chamou a atenção para a forma como as seis maio-  Em segundo lugar, embora muitas vezes tais processos se-
          res economias do Leste Asiático − China, Japão, Coreia  jam vinculados como imagens no espelho um do outro
          do Sul, Taiwan (China), Hong Kong (China) e Singapura   − como na hipótese de um “excesso de poupança” ou de
          − reverteram o declínio pós-crise inanceira global de seus   reservas externas na Ásia causando baixas taxas de juros e
          superávits e o nível destes estão atualmente em patamares   aumento dos preços dos ativos nos Estados Unidos (Ber-
          superiores aos da Zona do Euro (Gráico 3).          nanke, 2005) − as bolhas de ativos dos EUA estiveram
                                                              mais fortemente associadas ao “excesso de elasticidade do
          Essa dupla trajetória de superávits crescentes vem susci-  sistema monetário e inanceiro internacional” do que a
          tando preocupações com o ressurgimento de crescentes  superávits em conta-corrente da Ásia (Borio e Disyatat,
          desequilíbrios em conta-corrente como fonte de riscos  2011), (Borio, James e Chin, 2014). Os desequilíbrios
          para a economia global. Embora Eichengreen (2014) te-  globais em conta-corrente  não servem como explicação
          nha declarado o im da “era dos desequilíbrios globais”,  para a crise inanceira global originada nos EUA.
          mais recentemente outros acreditam estarem “de volta” e
          airmam que “os crescentes desequilíbrios globais devem   Mais relevante quantitativamente na formação de bo-
          soar sinos de alarme” [HSBC, segundo Verma e Kawa   lhas de ativos nos EUA foi o processo pelo qual bancos
          (2016)]. Antes de abordarmos esta questão, no entanto,   europeus captavam recursos no mercado monetário nos
          vale primeiro analisar como o peril dos atuais desequilí-  EUA e sustentavam – diretamente ou não – posições
          brios difere daquele anterior à crise inanceira global.  em ativos tóxicos. Enquanto ocorria o uso de seus ba-
                                                              lanços como instrumento de alavancagem, nos balanços
                                                              de pagamentos os luxos brutos de recursos de curto
          OS DESEQUILÍBRIOS GLOBAIS                           prazo dos EUA, para a Europa faziam-se acompanhar
                                                              por saídas correspondentes de inanciamento de longo
          EVOLUÍRAM                                           prazo na direção inversa, com correspondentes saldos
                                                              diminutos nas contas de capitais.
          A “era dos desequilíbrios globais” até 2008 (Gráico 1) teve
          em seu núcleo dois processos distintos, embora combinados.  Um paralelo entre China e EUA pode ser estabelecido
                                                              dentro da Zona do Euro, incluindo sua experiência pos-
          Por um lado, o crescimento impulsionado pelo crédito,  terior com um “segundo mergulho” da crise inanceira
          gerado pelas bolhas de ativos nos EUA e seu efeito-ri-  global. A entrada em vigor do euro como moeda comum
          queza, intensiicou a tendência já presente de uma ab-  em 2000 foi seguida por uma convergência de prêmios de
          sorção doméstica (particularmente o consumo) crescen-  risco dos países-membros em direção aos níveis alemães
          do mais rapidamente do que o produto interno bruto  e para luxos bancários transfronteiriços em condições
          (PIB). Isso resultou na queda das taxas de poupança  extremamente favoráveis. Consequentes bolhas de ativos
          pessoal e em aumento signiicativo dos déicits em con-  criaram efeitos-riqueza e excesso de absorção doméstica
          ta-corrente (Canuto, 2009; 2010).                   − para além do inchaço da intermediação inanceira − no
                                                              sul da Europa e na Irlanda e à subsequente crise da dívida
          Por outro lado, a acelerada transformação estrutural e o   privada e iscal. O padrão de desequilíbrios em conta-cor-
          rápido crescimento na China ocorreram com níveis de   rente intra-Zona do Euro apresentados no Gráico 2 foi
          poupança e investimentos elevados e crescentes, fazen-  principalmente uma consequência da euforia ocorrida
          do-se acompanhar de superávits em conta-corrente cada   em condições de “excesso de elasticidade” do seu sistema
          vez maiores (Canuto, 2013a).                        inanceiro.

          Duas observações sobre esses processos distintos, porém  O superciclo das commodities  também ajudou a moldar os
          combinados, se fazem necessárias. Primeiro, o déicit bi-  desequilíbrios globais neste período, visto no Gráico 1. No
          lateral dos EUA com a China no período, na verdade,  entanto, em grande parte foi consequência do extraordinário
          encolhe um terço quando medido em termos de valor   crescimento global anterior à crise, durante o qual as econo-
          agregado, em decorrência do fato de que a China tor-  mias emergentes – com PIBs de maior intensividade no uso

          Nº  129 -  Outubro/Novembro/Dezembro de 2016                                                     31
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