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Comentário Internacional








             A virada do algodão.


             Agora é esperar pela indústria

















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              George Vidor                                                   é jornalista e economista




          O Brasil assumiu em 2023 a liderança nas exportações mundiais de algodão, posição ocupada temporariamente
          em razão de problemas climáticos que afetaram a safra americana, tradicional líder do setor. Mas, em médio prazo,
          a tendência é de o Brasil realmente vir a liderar as exportações de algodão, pois enquanto aqui a produtividade
          aumenta, nos Estados Unidos os produtores se mantêm competitivos à custa de subsídios indiretos. Tais subsídios,
          aliás, foram motivo de um contencioso na Organização Mundial de Comércio do qual o Brasil saiu vitorioso anos
          atrás, e os Estados Unidos se obrigaram a pagar uma compensação que seria destinada aos cotonicultores brasileiros.
          Vitória parcial, pois o melhor teria sido a eliminação total desses subsídios.

          A cultura do algodão no Brasil é muito antiga. Desde os tempos coloniais formava, com o açúcar, o café, o tabaco,
          o charque e a erva-mate, a base de produção e exportação da agropecuária brasileira até meados do século XX. A
          Guerra de Secessão nos Estados Unidos, com a consequente queda da produção no sul do país, contribuiu para que
          tanto a cultura algodoeira como a açucareira ganhassem fôlego no Brasil na segunda metade do século XIX, o que
          gerou uma considerável demanda por mão de obra rural.

          Uma nova corrente de imigração europeia já estava em curso, mas grande parte dos trabalhos rurais continuavam
          sendo feitos por mão de obra africana escravizada. O trá co negreiro estava o cialmente suspenso desde 1850. O
          “contrabando” de escravos se tornara economicamente arriscado e insu ciente para atender à demanda crescente.
          O comércio interno se tornou mais caro, devido à acirrada disputa por essa mão de obra escravizada por parte das
          prósperas lavouras de café. Situação essa que ampliou a resistência à abolição nas esferas políticas que exerciam forte
          in uência no Parlamento (Câmara e Senado) do Império. Uma “prosperidade” que retardou a abolição e fez o Brasil
          carregar a chaga de ser uma das últimas nações a extinguir a abominável escravidão, fato com repercussões sociais
          negativas até os dias de hoje.

          A abundância de matéria-prima e a boa qualidade do algodão brasileiro – que chegara a ser comparado ao egípcio
          no século XIX – atraíram para o Brasil diversas indústrias têxteis. As chamadas monoculturas são geralmente apon-
          tadas como a principal razão de o Brasil ter se tornado um país retardatário no desenvolvimento econômico. Toda-
          via, no século XIX o Brasil foi um dos pioneiros na instalação de ferrovias (apenas duas décadas após o surgimento
          das estradas de ferro na Europa) e já abrigava uma razoável construção naval, além de fundições. A partir de 1870, a
          indústria têxtil se instalou com força. Belíssimos prédios industriais, em estilo inglês, servem hoje para a utilização
          de shopping-centers e mesmo centros culturais no Rio de Janeiro, em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.

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