Page 10 - RBCE 155
P. 10
Comentário Internacional
Ainda bem que eles, os bancos centrais, existem
George Vidor
é jornalista e economista
George Vidor
Nos primórdios do Banco Central do Brasil, quando o câmbio ainda era inteiramente controlado e não havia sido
adotado o mecanismo de minidesvalorização da moeda, o presidente da instituição cou atônito ao ser informado,
por jornalistas, que companhias de saneamento tinham solicitado ao governo reajuste nas tarifas de água após o
anúncio de um ajuste na cotação do dólar em relação à moeda brasileira da época (já nem lembro qual era).
Existia alguma relação direta entre o câmbio e as tarifas de água? Os custos dessas companhias de saneamento es-
tavam atrelados a importações ou a exportações? Tais empresas estavam muito endividadas em moeda estrangeira?
Na verdade, naqueles tempos existia uma sensação generalizada de que a variação do câmbio se re etia quase que
imediatamente na in ação doméstica. A cotação do dólar servia de baliza para a determinação de preços em uma
economia como a brasileira, abundante em monopólios e oligopólios, e pouco exposta à concorrência. Outra baliza
era o preço da gasolina. “Subiu a gasolina, vai subir tudo”, dizia-se corriqueiramente.
Muita coisa mudou na economia brasileira (e na economia mundial, com o processo de globalização) desde então.
Um esforço bem-sucedido de estabilização monetária nos livrou, com o lançamento do Plano Real, de uma in a-
ção aguda e crônica, que atormentara a maioria dos brasileiros por décadas. O protecionismo continua sendo um
mal, mas nem de longe o comércio internacional hoje se parece com aquele dos anos 1970 e 1980. Um fenômeno
assolador sacudiu o comércio: a transformação da antiga China maoísta em uma espécie de fábrica do mundo, im-
pulsionada por investimentos privados inicialmente em zonas econômicas especiais.
A expansão das transações nanceiras em ritmo bem mais acelerado do que o crescimento das trocas de mercadorias
e da prestação de serviços também tornou tudo mais complexo no que se refere à in ação. E aprofundando esse
processo, surgiu o euro, uma moeda única – e não sob a forma de algum metal valioso, como na Antiguidade – por
adesão de diversos países que compõem o maior bloco econômico da face da Terra, a União Europeia.
No entanto, essencialmente o controle da in ação permanece sendo feito por políticas públicas voltadas para equi-
librar demanda e oferta. Sim, já que todas as iniciativas para se revogar a mais importante lei da economia, a da
procura e da oferta, foram em vão.
No passado, os bancos centrais agiam sobre a oferta de crédito via instrumentos como o encaixe compulsório (par-
cela de depósitos à vista que obrigatoriamente era recolhida a seus cofres) e o redesconto (empréstimos aos bancos).
6 Nº 155 - Abril, Maio e Junho de 2023