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Política Industrial
mudança do modus operandi do Estado, e da própria re- teriormente a indústria; e a economia tem os serviços e
lação Estado-empresa. comércio como setores dominantes.
Aqui não se subestima a diiculdade de repensar o Es- A questão, contudo, é que não apenas este movimento
tado: as barreiras ideológicas; a lógica dos interesses de encolhimento relativo intensiicou-se em anos recen-
entranhados nas instituições de Estado; e a relação de tes – a participação em 2015 da indústria de transfor-
dependência da sociedade com o Estado que, uma vez mação se aproxima do seu peso em 1947 – como o país
criada, gera os incentivos para sua reprodução. se diferencia de outras economias no mesmo estágio de
desenvolvimento. De fato, o Gráico 2 indica que a par-
O Estado – nas funções essenciais e na exata medida que ticipação da indústria da transformação está signiicati-
consegue oferecer de forma eiciente os bens públicos vamente menor do que seria possível prever com base
e os serviços críticos para a sociedade – é o alicerce de no nível de renda per capita do país. Este fenômeno aqui
uma nação. Um Estado, que pelas suas falhas maciças se denomina envelhecimento precoce, que em tese pode
compromete os fundamentos, se não se reforma torna- estar associado ao peso (e à relativa dominância) da pro-
se objetivamente uma ameaça a essa mesma nação.
dução de commodities (como no caso da Arábia Saudita
Nesta perspectiva, o Brasil está em uma encruzilhada. As e da Austrália, conforme sugere o Gráico 2), choques
distorções e disfunções que foram se acumulando nas úl- estruturais (Rússia, após a dissolução da União Soviéti-
timas décadas izeram do Estado, em grande medida, um ca) ou a políticas fortemente distorcidas (que parece ser
estorvo para o país, por ser extremamente caro e ineiciente o caso do Brasil).
na provisão dos serviços essenciais, como educação, saúde e
segurança, e diretamente, por meio de suas empresas, eiva- O Gráico 3 ilustra o processo de envelhecimento pre-
do de práticas corruptas. coce da indústria brasileira, ao contrastar sua trajetória,
em queda acentuada desde meados da década de 1980,
A reforma hoje não é uma questão de opção, mas um im- com a de três economias com indústrias maduras, inclu-
perativo para se legar às próximas gerações um país demo- sive o Canadá, que também se caracteriza pelo elevado
crático e modernizado. peso das commodities minerais (e agrícolas) na sua es-
trutura produtiva. A participação do setor secundário
no valor adicionado do Brasil é inferior à de Suécia e
A TRAJETÓRIA DA INDÚSTRIA DE Estados Unidos, e rapidamente se aproximava na atual
TRANSFORMAÇÃO década da do Canadá.
Como explicar a acelerada involução da indústria de
Em anos recentes, governo, indústria e analistas ob- transformação no país? A causa mais imediata talvez se
servam com certa apreensão a perda de participação da remeta às perdas de produtividade, não apenas da indús-
indústria de transformação no produto interno bruto tria, mas do conjunto da economia, observadas a partir
(PIB), cuja trajetória denota uma parábola invertida da década de 1980 – o que coincide com a inlexão re-
(Gráico 1). Este movimento não seria preocupante, em tratada no Gráico 3. Ainda que não uniforme, a ten-
princípio, pois espelha uma dinâmica bastante conhecida dência parece inequívoca, com uma contração média de
e descrita por Simon Kuznets . Conforme Kuznets do- 1% ao ano (a.a.), na produtividade fatorial total (PFT)
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cumentou, o processo de desenvolvimento implica uma no período 1980-2014 (Tabela 1). De fato, uma com-
perda de importância na renda nacional inicialmente da paração de períodos decenais desde a década de 1950
agricultura com a ascensão da indústria e, mais adiante, aponta para ganhos sistemáticos até 1980, e um retro-
do setor terciário. Esse processo costuma ser explicado, cesso desde então – com exceção dos subperíodos 1992-
principalmente, pelos ganhos de eiciência que permitem 1997 e 2000-2008. Nos últimos 15 anos, em particular,
a redução nos preços dos alimentos e produtos indus- a PFT contraiu a uma média anual de 0,282%, resultado
triais, e por força das mudanças nos padrões de consumo que pode ser interpretado como um afastamento pro-
com o aumento da renda. Assim, historicamente enco- gressivo da fronteira tecnológica e de melhores práticas.
lhe a agricultura com o processo de urbanização; pos- Já os ganhos de produtividade por trabalhador foram
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1 Ver, por exemplo, Kuznets, Simon. Economic Growth and Structure: Selected Essays. New York: Norton, 1965.
26 Nº 131 - Abril/Maio/Junho de 2017