Page 19 - RBCE 163
P. 19
RBCE - A revista da
1960 e 1980, período anterior, portanto, à ascensão eco-
nômica chinesa, nota- se que esta tendência pouco foi
alterada entre 1980 e 2010, período de forte ascensão
da China. Isso não quer dizer que a China não tenha
contribuído para as perdas de empregos no setor, mas
certamente relativiza o seu papel e aponta para outras
questões de fundo, como o progresso técnico poupador
de trabalho. Por outro lado, pouco se fala das vagas de
emprego criadas em outros setores da economia ameri-
cana, como por exemplo no setor exportador de serviços
so sticados, altamente integrado em cadeias globais de
valor com a própria China. Sobre a questão dos saldos
comerciais, resta evidente que tarifas de importação são
instrumentos inadequados para lidar com o tema. O
saldo da balança comercial nada mais é que a diferença
entre a poupança doméstica e o nível de investimentos
de um país. Os Estados Unidos por serem um país que
poupa pouco e investe muito, tem uma balança comer-
cial estruturalmente de citária com o resto do mundo.
Contudo, caso a imposição excessiva de tarifas e o au-
mento da incerteza venham a causar recessão na eco-
nomia americana, aí sim o objetivo de diminuição do
dé cit comercial poderá ser alcançado, mas pelas piores
ciada à percepção de que a OMC não foi capaz de mol- razões possíveis, ou seja, pela queda dos investimentos.
dar as práticas de comércio e investimento chinesas ao
padrão das economias de mercado, traduziu-se em uma Tal como antes, boa parte dos argumentos atuais con-
postura mais intervencionista por parte dos seus gover- trários à globalização, e em favor de medidas unilaterais,
nos. Somado ao contínuo aumento da desigualdade de carece de adesão empírica ou mesmo lógica econômica.
renda e a crescente perda de empregos no setor manu- A OMC, por outro lado, precisa de reformas profundas,
fatureiro destes países, geralmente creditada à concor- seja para coibir comportamentos abusivos, seja para com-
rência desleal das importações chinesas, além da questão patibilizar as suas regras ao comércio do século XXI.
migratória, tem-se os ingredientes necessários para o re-
crudescimento do sentimento antiglobalização, o qual Conforme defendido pelo professor Bhagwatti duas
passou a in uenciar signi cativamente as preferências décadas atrás, a globalização, sob governança adequada,
eleitorais em vários países desenvolvidos, sobretudo na segue como uma das alavancas mais poderosas para a ge-
Europa e nos Estados Unidos. ração de prosperidade em nível global. A ausência desta
governança, contudo, levará inevitavelmente ao que na
Como geralmente ocorre quando há excessiva politiza- teoria dos jogos convencionou-se chamar de “dilema
ção de narrativas, explora-se a insatisfação do eleitorado dos prisioneiros”. Em outras palavras: Guerras comer-
e compromete-se a necessária adesão aos fatos. A este ciais e perdas de bem-estar global.
respeito, ao menos duas questões merecem destaque
no debate atual. Em primeiro lugar, será mesmo o co-
mércio internacional o grande causador do aumento da “
desigualdade social e da perda de empregos industriais Tal como antes, boa parte dos argu-
nos países desenvolvidos? Em segundo lugar, é possível mentos atuais contrários à globali-
corrigir dé cits comerciais por meio de tarifas de im-
portação? Sobre a primeira pergunta, os dados disponí- zação, e em favor de medidas unila-
veis sugerem que a desigualdade de renda e a perda de terais, carece de adesão empírica ou
empregos industriais são fenômenos que já vêm ocor- mesmo lógica econômica.
rendo há muitas décadas nas economias desenvolvidas.
No caso dos EUA, em particular, ao estimar-se a tendên-
”
cia de queda de empregos no setor manufatureiro entre
Nº 163 - Abril, Maio e Junho de 2025 11