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Entrevista
Marcos Troyjo A gente está vivendo em um mundo seu desenvolvimento tiveram nos Estados Unidos uma
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muito geopolítico. Sem fazer julgamento de valor, ape- referência signi cativa para sua inserção internacional.
nas descrevendo, a iniciativa Rota da Seda foi pintada Assim foi com Japão, Alemanha e Coreia do Sul.
por alguns como um plano chinês de criar dependências
e a nidades político-estratégicas. Acho que temos de manter excelentes relações com os ame-
ricanos, até porque precisamos ter diversidade em nossas
uando se olha esse jogo a partir de uma posição es- parcerias comerciais. Agora os Estados Unidos estão em um
sencialmente brasileira, o Brasil tem inúmeras comple- momento de mudança de rumo, com uma perspectiva mui-
mentaridades com a China. Estamos falando, hoje, de to diferente do que havia antes. O Brasil precisaria aumentar
um comércio bilateral de US$ 180 bilhões. É crescente o seu uxo comercial com o país e, por isso, co preocupado
a presença do investimento chinês no Brasil nos setores com as imposições de tarifas por parte dos americanos.
de energia e de infraestrutura.
O “tarifaço” americano pode impulsionar o entendi-
Por outro lado, o Brasil responde positivamente a certas mento entre Mercosul e Europa?
necessidades chinesas de planejamento de longo prazo,
por exemplo, em segurança alimentar. Marcos Troyjo | Sem dúvida alguma. Isso tem uma in-
uência. Eu fui um dos negociadores do Mercosul no
Então, como a complementariedade é muito grande, en- acordo Mercosul-UE, que foi concluído pela primeira
tendo que a adesão à Nova Rota da Seda não faz tanto vez em junho de 2019.
sentido. Os efeitos incrementais multiplicadores da par-
ticipação do Brasil não fariam grande diferença para o Nas conversações nais com as nossas contrapartes euro-
uxo de investimentos já estabelecido. peias, eles mencionaram que a comunidade internacional
não poderia car submetida a uma conjuntura em que as
Então, nosso país tem que calcular o custo-benefício de coisas fossem decididas unilateralmente pelos EUA. E uma
tal adesão, que seria mais nominal. E a adesão poderia forma de evitar esse cenário seria avançar em acordos entre
fechar outras portas. Assim, parece melhor car como regiões. E esse é um grande acordo, se você pensar que são
está, tendo a China como parceiro signi cativo tanto 450 milhões de pessoas na Europa e 280 milhões de pes-
em exportações quanto em importações — e em investi- soas no Mercosul. Então, é um mercado bastante grande.
mentos diretos também.
Depois da conclusão, em 2019, a ideia era que o rito legis-
Neste momento, estariam os EUA dispostos a ofere- lativo (para a efetivação do acordo) seria rápido, mas você
cer mais incentivos ao Brasil como forma de manter teve uma série de obstáculos. Por exemplo, houve a eleição
o país em sua órbita de in uência? de Alberto Fernández na Argentina (2019–2023), que
foi uma presidência muito protecionista. En m, houve
Marcos Troyjo | Esse tema, da órbita de in uência, tem uma série de resistências que atrasaram o processo.
que ser visto com uma radiogra a um pouco mais pre-
cisa. Os Estados Unidos e o Brasil são as duas maiores Ora, foi só o presidente Trump ser eleito, em novem-
economias do continente americano. Do ponto de vista bro do ano passado, para que, rapidamente, os europeus
do número de eleitores que vão às urnas, são também as tirassem o acordo da gaveta. Eles disseram: “É o que te-
duas maiores democracias do Ocidente. As sociedades mos para hoje e vamos em frente com isso”.
civis dos dois países se gostam muito.
Estou otimista com a possibilidade de a Comissão Euro-
No entanto, o intercâmbio comercial com o Brasil é rela- peia mandar o acordo para o Parlamento Europeu e ele
tivamente pequeno. Deixe-me dar um exemplo: hoje, de ser aprovado. uando começar a valer, haverá uma dimi-
cada US$ 2,00 que o Brasil exporta, US$ 1,00 vai para a nuição de tarifas em praticamente 90% de todas as ativi-
Ásia. A economia americana foi uma grande investidora dades econômicas entre o Mercosul e a União Europeia.
na economia brasileira no passado. Isso diminuiu.
Este ano, o Brasil recebe a COP30, a 30ª Conferência
Então, não é que os Estados Unidos não vão querer nos das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Por
manter em sua órbita de in uência. O fato é que a im- que este é um evento estratégico?
portância relativa dos Estados Unidos para o Brasil di-
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minuiu ao longo do tempo. Não sei se isso é necessaria- Marcos Troyjo Estive na COP26, em Glasgow (Es-
mente uma boa ideia, porque, nos últimos 80 anos, mui- cócia), na COP27, em Sharm el-Sheikh (Egito), e na
tos dos países que conseguiram um salto importante em COP28, em Dubai (Emirados Árabes).
6 Nº 163 - Abril, Maio e Junho de 2025