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RBCE - A revista da
cisará ser recalibrada. Con ra os argumentos a seguir. questão dos recursos naturais, da segurança alimentar,
da segurança energética e da mobilidade urbana.
Antes de tudo, o senhor poderia apresentar aos leito-
res a noção de “policrises” e como ela se articula com Outro grande acontecimento macropolítico é que, cada
a de “polioportunidades”? vez mais, o crescimento da economia global será puxado
por países emergentes. uem vai contribuir é Indonésia,
Marcos Troyjo | Economistas, sociólogos e historiado- Índia, Vietnã e China. E, quando você tem um aumento de
res estão sempre em busca de uma palavra ou um concei- renda tão pronunciado a partir de patamares mais baixos, as
to que possa capturar o espírito do tempo — uma frase pessoas começam a se deslocar mais, a se alimentar melhor,
que venha a resumir uma série de acontecimentos que a consumir mais energia. Haverá um choque de demanda.
guardam entre si algum tipo de conexão.
Finalmente, teremos determinadas tecnologias, como a
Por exemplo, nos anos de 1980, o grande economista robótica e a inteligência arti cial, cada vez mais presen-
americano-canadense John Kenneth Galbraith falava so- tes em nossas vidas. É a ponta de lança da construção do
bre “a era da incerteza”. Agora, mais recentemente, Adam futuro, mas, ao mesmo tempo, relaciona-se a aspectos
Tooze, professor da Universidade Columbia, observou a primordiais, como disponibilidade de água e de energia.
mais grave crise de saúde pública desde a gripe espanhola:
a pandemia de covid-19. Com aquela paradeira na indús- Diante desse cenário, que oportunidades surgem
tria, surgiu um cenário econômico mais desa ador. para o Brasil?
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Ao mesmo tempo, muitos identi caram uma espécie de Marcos Troyjo Houve uma dispersão geográ ca da-
Guerra Fria 2.0, entre o Ocidente e a China. Tudo isso quilo que nós podemos chamar de fontes de liquidez ou
representa um desa o crítico, e Tooze falou: “Bom, nós fonte de alocação de capital de longo prazo.
estamos vivendo ‘policrises’, um cenário de muitas crises
convergindo ao mesmo tempo”. Por exemplo, antes, em época de eleições, o que os asses-
sores econômicos dos candidatos faziam? Iam fazer ro-
Fico pensando se essa não seria a ótica do copo meio va- adshow em Washington, Nova York, Londres. Esses cen-
zio. Penso que existe a possibilidade de olhar para isso tros continuam importantes, mas, hoje, se você está em
com a perspectiva do copo meio cheio, daí o termo “po- busca de recursos para projetos de infraestrutura, os centros
lioportunidades”. de liquidez estão em Doha (Catar), Abu Dhabi (Emirados
Árabes), Riade (Arábia Saudita) e Xangai (China).
E quais são as consequências desses eventos?
Ocorre que os novos centros de liquidez estão posicio-
Marcos Troyjo | Antes, acho que é o caso de se fazer uma nados geogra camente em jurisdições onde há insegu-
distinção entre microgeopolítica e macrogeopolítica. rança energética e alimentar. Se você joga o Brasil nessa
equação, que é um país que tem insu ciência de inves-
A primeira se refere a eventos muito impactantes que timento infraestrutural e, por outro lado, grandes van-
transcorrem num arco de tempo curto — de quatro ou tagens “ricardianas” em produção agrícola e energética,
cinco anos. Já a macrogeopolítica diz respeito a eventos então você começa a estabelecer conexões.
que transcorrem num arco mais longo, em uma geração.
Cabe a nós, no Brasil, o desenho de projetos que vão
Exemplo de um evento microgeopolítico é a presidência funcionar como o ímã para a atração desses investimen-
Trump nos Estados Unidos e o que ela representa do pon- tos — em transporte, em geração de energia, em arma-
to de vista de política comercial e política industrial. Se zenagem, em irrigação, em infraestrutura portuária, em
você tem uma economia que é um quarto de tudo aquilo infraestrutura ferroviária.
que o planeta produz e ela sofre uma mudança importan-
te, os efeitos colaterais serão sentidos em toda parte. Tudo isso cabe ao Brasil e, às vezes, a gente tem di cul-
dade em conceber esses projetos, em apresentá-los de
E existem eventos macrogeopolíticos, como oscilação uma maneira que faça sentido. O Brasil tem um longo
demográ ca e queda da natalidade. Ao mesmo tempo, caminho a percorrer.
em alguns países, ocorrerá um aumento populacional
tão brutal que, no m das contas, nos próximos 25 anos, Com toda essa carência de infraestrutura, por que
o mundo saltará dos atuais 8 bilhões de pessoas para 10 o Brasil não aderiu à Nova Rota da Seda (iniciativa
bilhões de pessoas. Isso tem grande relevância para a Cinturão e Rota) dos chineses?
Nº 163 - Abril, Maio e Junho de 2025 5