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RBCE - A revista da



          tas dos países do G20, e fora dele, no sentido de acelerar   organismos internacionais, se decepcionem, como prova-
          suas  medidas  de  mitigação  das  mudanças  climáticas  ou  velmente ocorrerá com Lula e os assessores do PT, com a
          que acelerem claramente a transição energética para fora  magreza de resultados efetivos ao cabo da reunião de cú-
          dos  combustíveis  fósseis  (que  continuarão  alimentando  pula do G20 em novembro. A marcha das reformas nos
          as cadeias produtivas e a energia).                 grandes “dinossauros” da ONU – De Gaulle a chamava
                                                              de grand machin, a grande geringonça – sempre foi lenta e
          A terceira grande meta, a reforma das instituições de go-  não será diferente num G20 agora (e diferente de quando
          vernança  global,  sobretudo  a  ONU  e  as  instituições  de  surgiu nesse formato de cúpula em 2009) dividido entre
          Bretton Woods, conhecerá, provavelmente, alguns avan-  os “ocidentais” e os supostos proponentes da “nova ordem
          ços cosméticos, inclusive porque os Estados Unidos se de-  global”, entre os quais se alinham, ingenuamente, Lula, os
          clararam dispostos a considerar o aumento de membros   ideólogos do PT e os acadêmicos sonhadores.
          permanentes no Conselho de Segurança das Nações Uni-
          das. No entanto, como os demais objetivos, e a exemplo  O mundo pós-invasão da Ucrânia encontra-se irreme-
          de exercícios anteriores nessa direção, mudanças no pro-  diavelmente fragmentado, e as propostas do Brasil de
          cesso decisório e na própria estrutura dessas instituições  Lula se veriam comprometidas por essa divisão mesmo
          enfrentarão  naturais  resistências  daqueles  que  poderiam  se ele, numa hipótese otimista,  zesse parte dos mais en-
          perder  relativo  poder  nas  instâncias  de  comando.  Isso  tusiastas defensores do “Ocidente” (o que está longe de
          não  impedirá  que  mais  diretorias  nas  organizações  tipi-  ser o caso).  ue não se espere, portanto, resultados en-
          camente onusianas sejam atribuídas a delegados de países  tusiasmantes, capazes de integrar um discurso sorriden-
          em  desenvolvimento,  embora  muitos  deles  já  exerçam  a  te de Lula no dia 19 de novembro no Rio de Janeiro. Os
          presidência ou a diretoria-geral de algumas delas, ou que  diplomatas pro ssionais farão os maiores esforços para,
          aumentos de cotas, nas organizações de Bretton Woods  literalmente, extrair “leite de pedra”, num ambiente in-
          possam também ocorrer em seu favor (lembrando que a  ternacional que continuará a se deteriorar, com o cruel
          China já foi contemplada com o aumento de seu capital  prolongamento da guerra na Ucrânia, de outros con i-
          em ambas).                                          tos no Oriente Médio, e de uma virtual estagnação da
                                                              integração regional, em face dos quais Lula tentará man-
          Curiosamente,  o  objetivo  mais  ambicioso  acalentado  ter sua linguagem otimista, como pretenso líder de um
          por Lula desde o seu primeiro mandato, que é ver o Bra-  diáfano Sul Global.
          sil  integrar,  como  membro  permanente,  uma  das  cadei-
          ras  de  um  Conselho  de  Segurança  ampliado,  encontra  Em todo caso, caberia efetuar nova avaliação, no mo-
          surpreendentes  obstáculos,  vindos  de  um  membro  que  mento devido, das realizações do G20 sob a presidência
          Lula considera como seu principal aliado na concretiza-  brasileira, uma vez que os resultados concretos, ali apre-
          ção  do  mirí co  projeto  de  uma  “nova  ordem  global”:  a  sentados, sejam confrontados aos presentes argumentos
          República Popular da China. Desde o momento em que  dotados de certo ceticismo sadio. O que se pode, no en-
          se iniciam as tentativas no sentido de se encontrar algum  tanto, prever, é que o mundo – enquanto Putin perma-
          consenso  em  torno  da  reforma  da  Carta  da  ONU  e  da  necer no comando da Rússia, e enquanto os generais do
          ampliação  do  seu  Conselho  de  Segurança  –  com  a  Re-  Pentágono continuarem paranoicos, como é seu dever e
          pública Popular da China já tendo assumido nele o lugar  obrigação – enfrentará, no futuro previsível, nova cor-
          antes pertencente à República da China (Taiwan) entre  rida armamentista e pesados investimentos, tanto cus-
          1945 e 1972 – a China tem-se revelado contra a ideia de  tosos quanto inúteis, em novas armas fantásticas, que
          que  o  número  de  membros  permanentes  seja  ampliado,  provavelmente nunca serão usadas até uma hipotética
          sobretudo, porque se opõe, em particular, ao ingresso do  mudança nos  os condutores das principais potências
          Japão e da Índia, com os quais possui notórias diferenças  nucleares.  ueremos crer que o estadismo responsável
          históricas e con itos diplomático-militares.        prevalecerá sobre as trombetas do Apocalipse, que, infe-
                                                              lizmente, voltaram a se manifestar ruidosamente, desde
          O mais provável, portanto, é que se aprovem algumas me-  a conclusão da primeira Guerra Fria, exitosamente dada
          lhorias na presença e com a participação de alguns gran-  por concluída por Gorbatchov e Bush pai. Eles não pare-
          des países em desenvolvimento nos organismos onusianos   cem ter encontrado sucessores à altura na atual geração
          e  que  se  conceda  algum  aumento  de  capital  a  novas  ou  de dirigentes pressionados por partidos extremistas, por
          antigas diretorias nas instituições de Bretton Woods e na   ecologistas radicais, pelas baixas taxas de crescimento,
          OMC (que, aliás, não se baseia em cotas de capital, e que   pelo desemprego setorial e pelo a uxo maciço de imi-
          por  isso  mesmo  acaba  não  indo  para  frente  pela  inércia  grantes exóticos e miseráveis. O século XXI já não é o
          dos seus grandes membros). Não creio que os diplomatas,   que se pensava emergir, nos anos triunfantes da unipo-
          experientes  em  todas  essas  barganhas  negociadoras  nos  laridade imperial.


          Nº  158 - Janeiro, Fevereiro e Março de 2024                                                       21
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