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Editorial
Fatos relevantes
Em março, assistimos a três acontecimentos, que merecem registro, associados direta ou indiretamente com os tex-
tos que compõem a presente edição da Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE).
A reunião de ministros de Finanças e banqueiros centrais do Grupo dos 20 (G20), em Baden-Baden, Alemanha, foi
palco de dois deles, enquanto o terceiro teve lugar em Viña del Mar, no Chile, local escolhido para sediar a reunião
dos países signatários da Parceira Transpacíico (Trans-Paciic Partnership – TPP), acordo que icou inviabilizado
com a retirada dos Estados Unidos (EUA), sacramentada em decreto assinado por Donald Trump no terceiro dia
de sua administração.
O giro protecionista da política comercial norte-americana fez sua estreia no G20, reunião que foi descrita pelo
ministro de Finanças da França como “um desacordo entre um país e o resto dos participantes”. A reunião foi con-
siderada, exageradamente, um verdadeiro iasco, por dois motivos: o governo norte-americano forçou a retirada, na
declaração inal, da tradicional condenação ao protecionismo e brecou novo apoio ao acordo de Paris sobre o clima,
posição que foi acompanhada também pela Arábia Saudita. Houve, sem dúvida, mudança de retórica na declaração,
o que não é um detalhe menor. No entanto, a despeito das habituais declarações das últimas reuniões do G20, é
fato que a contundente retórica antiprotecionista era sistematicamente desmentida pelos fatos, como constatado
nas estatísticas relativas à imposição de novas barreiras ao comércio após a crise inanceira internacional, sempre em
constante elevação. De outro lado, a retirada de apoio do governo Trump à luta contra a mudança climática era fato
previsível, conirmado pelas nomeações de seu staf nessa área.
O mais preocupante, contudo, é que as piores expectativas em torno da nova política comercial norte-americana
não puderam ser desconirmadas. Quais os limites de uma formulação de políticas comerciais orientadas pelo lema
de America First? Mercantilismo primitivo? Protecionismo unilateral agressivo? Ignorância das regras da Organiza-
ção Mundial de Comércio (OMC)? Ainda não há respostas que permitam afastar tais temores. O texto de Aluisio
Lima-Campos, que abre a presente edição da RBCE, fornece alguns elementos para se avaliar essas alternativas.
O segundo fato relevante, também registrado em Baden-Baden, foram as declarações e anúncios do ministro Hen-
rique Meirelles. A retórica do ministro brasileiro não transcendeu o mundo, mas teve signiicado para o Brasil, onde
não deveria passar despercebida. Mudou a linguagem, mudou o posicionamento e, com isso, houve forte sinalização
de mudança de rumos. O Brasil se manifestou favorável à abertura comercial, mas foi além, pois reconheceu que
o protecionismo foi negativo para o país e que os setores que tiveram uma abertura maior no passado foram os
que mais progrediram, porque puderam se modernizar e se tornar competitivos internacionalmente. Foi revelada a
intenção de aderir à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, sigla em inglês) em
prazo de um a dois anos, o que coniguraria uma drástica mudança de posição do país.
As declarações e entrevistas de Meirelles em Baden-Baden destacaram a elaboração de estudos, ainda em andamen-
to, tendentes a embasar novas medidas de liberalização: corte unilateral de algumas tarifas; reavaliação de progra-
mas de apoio baseados em isenções e subsídios, na medida em que forem vencendo; reformas que visem elevar a
produtividade. Também neste caso há fatos que conferem credibilidade às declarações, como a criação de uma se-
cretaria de apoio às reformas microeconômicas, estudo em fase adiantada sobre a abrangência, impacto e operacio-
nalização da concessão de ex-tarifários e reexame da estrutura de proteção efetiva. Outro fato também destacado e
já concretizado foi a diminuição da exigência de conteúdo local, medida que precisou conciliar visões contrastantes
no próprio governo e que resultou em solução de compromisso materializada na adoção de novas regras que já serão
válidas para a 14a rodada de licitações de petróleo e gás prevista para setembro. As novas regras implicaram forte
diminuição dos percentuais exigidos e seus impactos precisarão ainda ser avaliados.
4 Nº 130 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2017